“Preciso de um padre”, eu disse, já
procurando não sei o que na maçaroca de papéis sobre a mesa. Ele me olhou assustado.
“Um desenho”, acrescentei, voltando os olhos para os papéis. “Um desenho de
padre”.
Embora deficiente físico (depois de um
acidente de moto, perdera os movimentos da mão e do braço direito), e destro, Jota
é um bom desenhista com a mão esquerda. Aliás, teve de reaprender a fazer tudo o
que fazia antes, agora usando somente o braço e a mão esquerda. Conseguiu.
Exceto tocar violão, talvez, sua maior paixão.
Jota é um artista. Tocou na noite. Deu
canja com gente da pesada, como o Lula Barbosa, o Marcinho Eiras, o David Maia,
a Maria Eugênia. Depois do acidente, sem os movimentos do braço direito,
abandonou o violão. Mas a arte não abandonou Jota, que me entregou naquele
final de dia o desenho que pedi, com traços perfeitos, simples, prontinho para
estampar a capa do meu livro.
Conversávamos sobre um sujeito que se
dizia inválido para o trabalho, que não podia fazer mais nada, que pensava em
requerer aposentadoria porque tinha perdido os movimentos de uma das mãos após
sofrer um acidente de trabalho. Jota estava indignado. “Como inválido? A pessoa
não tem noção da sua real capacidade...” Argumentei que as pessoas adoram se
vitimizar. “Talvez seja mais fácil viver representando o papel do coitadinho,
do pobrezinho...” Ele retrucou: “A vaga de um supermercado destinada ao
deficiente físico, por exemplo, foi criada para a pessoa com dificuldade de
locomoção, mas o cara que tem um problema na mão também usa a vaga e se acha no
direito; o mesmo acontece na fila de banco. Isso, pra mim, não é o exercício de
um direito, mas sim um abuso”.
Jota é um cidadão, um cara lúcido, dono
de um pensamento refinado, que precisa de muito pouco pra viver, que detesta
shopping, que curte os textos do Paulo Leminski, a música do Itamar Assunção,
que não troca de celular três vezes por ano, mas somente quando o aparelho pifa,
que prefere a panela e o fogão à mesa do restaurante, que valoriza o que tem. E
um artista de mão cheia. Pra sobreviver, assim como centenas de milhares de
artistas brasilianos, precisa enfiar as mãos onde a arte não chega.
Meu querido amigo Geia, esses pintores com pés e mãos realmente existem e são exemplo de superação para nós. Postarei em meu face uma foto com um deles pintando com o pé em uma feira acessibilidade que estive semana passada em São Paulo. Abraço!
ResponderExcluirShow de bola, Simone Padoan; como disse na crônica, fui atrás e vi que realmente era algo sério; agora com sua ratificação, melhor ainda; vou compartilhar; gde abraço!!! E volte sempre!
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