sábado, 19 de julho de 2014

08-07-14

“Falei que o tempo ia mudar!? Não falei?”, disse, entre um pão de queijo e outro, à minha mulher, que também tomava café na cozinha. Ainda assim, o céu carrancudo não me fez desistir. Shorts e camiseta, me mandei pra Santa. Até então, uma manhã comum, pessoas caminhando, gente indo pro trabalho, a Prefeitura quebrando o canteiro defronte ao Santander, uma senhora irritada com o serviço, principalmente quando soube que a obra visava dar mais espaço ao carrinho de lanches, muitíssimo procurado pelos também cidadãos, só que da noite.

Passei por um grupo que conversava no Carioca. O assunto, claro, o jogo contra os alemães, mais à tardinha. A dúvida era qual time Felipão escalaria, principalmente, quem entraria no lugar do Neymar. O consenso geral: Scolari entraria com três volantes, o que significaria futebol feio, mas efetivo. Na Copa de 94 ganhamos assim. Burocracia no seu mais alto grau. Um futebol tipo Zinho-enceradeira, mas calculista e eficiente. A bola não chegava à nossa área. Em compensação, as poucas que chegavam lá na frente, o baixinho guardava. Assim vencemos, assim perdemos. Vencemos a Copa na terra do Tio Sam; perdemos o futebol arte, plástico, cujo expoente máximo fora a Seleção de 82.

Faltando alguns minutos para as cinco me aprumei na frente da tevê. Puxei a poltrona pra mais perto, preparei um tira-gosto, abri uma breja. O time que iria jogar se aquecia numa parte do campo. O reserva, noutra. Escalei a equipe e percebi o arrojo do Scolari: Bernard, o menino prodígio, com alegria nas pernas, iria pro jogo. O Brasil atacaria os alemães. O jogo prometia. Um espetáculo se anunciava.

Passada quase uma semana do término da Copa do Mundo no Brasil, e exatamente onze dias do fatídico 08-07-14, ainda estamos juntando os cacos e nos perguntando: o que aconteceu? Acho que já me permito algumas reflexões depois de dias de apoplexia.

O brasileiro, na temática futebol, tem a mania de achar que o mundo gira em torno de seu umbigo. Nossa arrogância é singular. Somos os melhores e, para isso, temos cinco Copas do Mundo para justificar. Quando acontece uma tragédia dessas, entramos em parafuso, instala-se o processo de caça às bruxas, multiplica-se nos midiáticos um repertório de bobagens, há pouca, pouquíssima lucidez pra ser visitada.

É engraçado. É a primeira vez que vejo a crônica esportiva, quase na sua totalidade, defender um Brasil retrancado. Cheguei a ouvir comentários no sentido de que deveríamos jogar atrás, fechadinhos, deixando apenas um jogador na frente, explorando o contra-ataque. Historicamente, a crítica sempre defendeu o futebol arte, remetendo-se à Seleção de 82. E os técnicos? Sempre pensaram e agiram no sentido contrário, que o diga Parreira em 94. Vejo uma curiosa inversão de papéis. Scolari quis ganhar jogando pra frente. A imprensa defende que deveria jogar pra trás. O mundo do futebol está ao contrário e ninguém reparou.

A Alemanha não ganhava nada havia 24 anos. Iniciou o trabalho com o Löw há 10, não ganhou nada nesse período. É preciso tempo. O brasileiro tem paciência? Ou na primeira queda pediria a cabeça do treinador?     

Nada justifica o vexame. Precisamos mudar a cultura do futebol. Aliar a nossa capacidade nata com organização e conhecimento técnico e tático, que precisa ser importado. No mínimo, atualizado. Para isso talvez precise de algo que o brasileiro, quando o assunto é futebol, não tem: HUMILDADE.  No fatídico 08-07, ainda consegui ver o gaúcho juntando os cacos, enquanto eu juntava os meus.

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