“Você se chama...”
“Geia. Pode me chamar de Geia”.
“Então, Geia. A situação de sua menina
é grave. Eu diria que é gravíssima. Ela está com problema de pele sim! Pelo
resultado do exame vi que é uma micose, mas esse é o menor dos problemas. O
grave aqui é o rim. O dela está detonado. Eu diria que ela está na iminência de
óbito”.
Antes de pensar bobagem, meu amigo, eu
explico: estava no veterinário. O doutor, no caso, é o próprio. A menina, a
minha menina, como ele disse, é uma cadela poodle já bastante idosa.
“Olha aqui os exames dela. Ureia. O
limite é 60 mg/dl. O dela tá dando 319. A creatinina também tá alta. Ó, tá
8,53. O limite é 1,60 mg/dl. A literatura médica diz que acima de 9,00 o quadro
é irreversível. Ela tá quase no limite. Se fosse um ser humano seria caso de
hemodiálise. Há hemodiálise pra cachorro? Há. Não aqui, claro. Talvez em São
Paulo. Campinas acho que tem. Nova York com certeza. Eu sei que é inviável”.
“ E aí?”, pergunto eu, meio encabulado.
“Sua menina é uma doente exemplar. O
paizão aí deve ter muito orgulho dela. Ela não chora, não geme, parece que não
tem nada. Só mesmo a perda de peso. De resto, parece que não tem nada. Mas os
exames mostraram a gravidade do quadro” — vejo o doutor com o semblante grave.
“Bom, Geia, vamos tentar fazer o
seguinte: vou lhe receitar dois remédios. Revimax Propentofilina 50 mg. Você dá
metade, uma vez ao dia, durante dez dias. Baytril Flavour, você dá uma vez ao
dia, também durante dez dias. Será necessário uma dieta alimentar. Meia latinha
de Hill’s K/D por dia, misturada na ração. Depois de uma semana você volta aqui
e repetimos os exames. Especialmente esses da ureia e da creatinina. Se os
níveis baixarem, nem que seja um pouquinho, ótimo, sua filha estará respondendo
bem ao tratamento. Caso contrário, aí a gente pensa”.
Saí de lá meio borocochô. Ainda mais
porque mergulhei num universo de amor filial meio estranho pra mim, eu admito.
Havia uma mãe preocupada com sua filhinha que debutava na tosa. Ela estava
visivelmente tensa. Talvez mais tensa que a cadela. Quando a mocinha veio
trazer sua menina, eu nunca vi coisa igual. A cachorra, também um poodle, começou
a rodopiar no pescoço da mãe. Como nessas cenas de videocassetadas, em que o
cachorro quer pegar o próprio rabo. Um casal estava lá com três cães. Um deles,
no colo do pai. De vez em quando, beijavam-se amorosamente na boca. Havia um
cachorrinho que dormia preguiçosamente no colo do rapaz, sendo por ele acarinhado.
Uma cena terna. Quando terminei de pagar os remédios, ainda deu tempo de ouvir
as instruções da jovem mãe que acabara de chegar com sua pimpolha: “Pode aparar
as unhas. Se o pelo embaraçar pode deixar que em casa eu mesmo desembaraço.
Isso dói muito e ela sofre. Ah, quanto à fitinha na orelha, eu queria cor-de-rosa,
pode ser? Fica com Deus, tá filha! A mamãe já volta!”.
Borocochô. Completamente. Me sentindo o
pior dos pais. Um insensível. Incapaz de derramar uma simples lagriminha.
P.S.:
10 dias depois de escrever esta crônica, Linda Bela nos deixou.
Deve existir um céu só para cães, acredito nisso.
ResponderExcluirÉ muita fidelidade pra um serzinho só.
Brigo com minha Jolie porque toda vez q viajo no fim de semana, ela acaba com minha plantas, ela destrói tudo o que cuido com carinho. E mesmo depois das duras críticas q recebe (da minha parte), ela corre ao eu encontro quando me vê, numa felicidade infinita.
A sua Linda Bela com certeza foi muito feliz. Animais domésticos não precisam ser tratados como seres humanos, basta carinho e atenção e eles sabem reconhecer.
Linda crônica!