Ser um homem sem convicções é um
problema muito sério, amigo. Seríssimo. A humanidade está fadada ao absoluto
fracasso se o tecido social for costurado por homens sem convicções. Pobres
homens, pobre humanidade. Pobre porque esses homens pobres serão arrebanhados
facilmente, serão verdadeiras vaquinhas de presépio. Pobre humanidade por ter em
seu conjunto social homens pobres, homens sem convicções. Enfim, meu amigo:
falta de convicção significa pobreza. Uma pobreza só.
Mas não estou aqui para tratar dos
problemas da humanidade. Os meus, pequeninos como um grãos de mostarda, já são
de difícil manejo. Quem sou eu pra me meter nos graves problemas do mundo se
nem os meus, pouquíssimos e paupérrimos, eu dou conta exatamente por me faltar esse
elemento fundamental que distingue homens de ratos: as convicções?
Um homem precisa de muito pouco para
viver. Os mais humildes dirão um chão, roupas, comida, trabalho. Pois eu digo
que para um homem viver, e viver dignamente, ele precisa ter convicções. E mais
nada. A convicção anima. A convicção acalma. A convicção entusiasma. A
convicção movimenta. A convicção abre portas. E fecha também, com convicção. A
convicção derruba. A convicção alimenta. A convicção une. A convicção empurra.
A convicção desmancha. A convicção edifica. A convicção solidifica. A convicção
cristaliza. A convicção serena. A convicção implode. A convicção satisfaz. A
convicção perdoa. A convicção enfrenta. A convicção costura. A convicção ajuda.
A convicção resiste. A convicção levanta. A convicção arruma. A convicção encara.
A convicção basta.
O problema da convicção, amigo, é que
ela é danada. Escapa, bandida, por entre suas mãos, seus dedos, como veia
bailarina, como a água depositada num recipiente cheio de furinhos, como um
chuveiro. Olhe pra cima. Veja lá a água caindo da ducha. Pois é. Você passa o
dia remoendo até as vísceras, cutucando, e de repente, você a encontrou; um
encontro fascinante e ao mesmo tempo sedutor. Nada! Afloram emoções, novos sóis
e novas luas, novas águas e novos rios, e, de repente, como um castelo de
areia, são arremedos de convicção implodindo, simulacros de convicção se
desmanchando, projetos mal-acabados de convicção se espalhando. Convicção
mesmo, nada.
Outro dia foi assim. Foi quase um ano
refletindo, dialogando, exercitando o penoso e difícil hábito de pensar (não
tão hábito assim), para chegar num ponto que me pareceu consistente e que me deu
trabalho (só eu sei quanto). Quando imaginei que já tinha algumas certezas, elas
se foram na velocidade de um gnu, se esfarelaram feito bolacha velha e tudo
farinha virou; implodiram pilares, crenças, certezas e um arremedo mal-acabado
de convicções. Mas não desisto, meu caro. Simplesmente porque trago a convicção
de que no assunto convicção, não podemos desistir. É norte. Precisamos dela.
Sou um homem sem convicções. Hoje. Um corpo sem alma. Uma alma sem destino, que
vaga, que se perde, que se encontra, mas que se perde de novo. Tudo bem. Estou
na trilha. Logo chego. Muito embora diga tudo isso ainda sem muita convicção.
P.S.: publicada originalmente no cronicadodia.com.br