domingo, 27 de julho de 2014

sábado, 26 de julho de 2014

O tailandês

Você deve ter visto o tailandesinho dando uma lição de humanidade. Quem não viu? O conteúdo na rede é viral. Eu até larguei a breja pra prestar atenção. Eram coisas simples do dia a dia. Ajudar uma ambulante sem forças a empurrar seu carrinho de lanches. Tirar do próprio prato do almoço uma suculenta coxa de frango e dar a um cachorro faminto. Limpar a carteira para que o dinheiro impulsione os estudos da garotinha pobre. Pendurar um cacho de bananas na porta da velhinha necessitada. Tudo feito — com olhares de reprovação da maioria — por um sujeito pobre, que recebe em troca apenas emoções, um pouco de felicidade, um sorriso, uma lágrima. O vídeo é bastante interessante e vale a pena ver.

No balcão do Noguti, eis que sou tocado nas costas por uma jovem loura com um bebê no colo. “O senhor pode me dar um trocadinho?” A minha primeira reação foi dizer “não”. Nada mais irritante que alguém gozando de boa saúde preferir a esmola em vez do trabalho. Olho pra criança que parece bem cuidada, bem arrumada. Olho pra mãe e percebo que é jovem, forte, com cara de cansada. Mão na carteira, uma nota voa para o seu bolso.

O tailandesinho não apareceu aqui. Comigo? Até parece... Eu dei o dinheiro no automático, meu amigo, como se muda a marcha de um carro. Mas eis que vejo uma moça de azul perguntar no balcão se eles têm leite. Começo a bisbilhotar. “Morno”, a loura mãe intervém. Depois, vejo a mamadeira da criança sendo preenchida com um mistura de leite com Nescau. A jovem e seu filho sentados ao meu lado. A moça de azul lhe dando um salgado, um suco de laranja. Fazendo um carinho na criança que mama. Pagando a conta com satisfação. “Deus te acompanhe, viu?”, sai dizendo pra pequena família. “E sorte pra vocês!”. “Deus lhe pague”, responde a mãe, com a boca cheia de coxinha.

Saio de lá meio deprê. O tailandesinho poderia ter nascido em mim, mas nasceu na moça de azul. Vai ver encontrou um coração duro. E assim acontece todos os dias. Eu perdi a oportunidade. Ela não. Ela fez o bem. Simples. No seu dia, nas suas horas apertadas, numa oportunidade que apareceu, com boa vontade. Ela fez a diferença. Recebeu um sorriso, uma manifestação de felicidade, um “Deus lhe pague”.

Já em casa, pensando no ocorrido, eis que escuto alguém lá fora pedindo alguma coisa. Bingo! Meus olhos se arregalam. Escuto minha secretária dizer que vai ver o que tem. Eu desço na frente. “Xá comigo”. Pego um prato, cubro de arroz, feijão, um pouco de salsicha no molho, purê, tudo quentinho saindo do fogão. Alface, tomate, cebola.  Subo a escada em direção à porta com olhos de satisfação, feliz da vida por ganhar uma segunda chance.

“Ué? Cadê? Onde foi parar o anjão?”, digo pra mim mesmo. Vou até a esquina. Olho para um lado. Pro outro. Nada. O cara sumiu. Pergunto à minha secretária. “Vai ver ele tava com pressa”, ela diz. “É... Acho que estava mesmo”, concordo. “Não deu nem pra esperar o preparo do prato, seu Geia? Mal-agradecido!”.

De modo a não perder aquele estado sublime de compaixão, tão bom, que já via fugindo na velocidade de um gnu, procuro no YouTube o tailandesinho pra me socorrer, a britadeira, o remédio de que preciso pra desmanchar este coração de pedra.

                    

sábado, 19 de julho de 2014

08-07-14

“Falei que o tempo ia mudar!? Não falei?”, disse, entre um pão de queijo e outro, à minha mulher, que também tomava café na cozinha. Ainda assim, o céu carrancudo não me fez desistir. Shorts e camiseta, me mandei pra Santa. Até então, uma manhã comum, pessoas caminhando, gente indo pro trabalho, a Prefeitura quebrando o canteiro defronte ao Santander, uma senhora irritada com o serviço, principalmente quando soube que a obra visava dar mais espaço ao carrinho de lanches, muitíssimo procurado pelos também cidadãos, só que da noite.

Passei por um grupo que conversava no Carioca. O assunto, claro, o jogo contra os alemães, mais à tardinha. A dúvida era qual time Felipão escalaria, principalmente, quem entraria no lugar do Neymar. O consenso geral: Scolari entraria com três volantes, o que significaria futebol feio, mas efetivo. Na Copa de 94 ganhamos assim. Burocracia no seu mais alto grau. Um futebol tipo Zinho-enceradeira, mas calculista e eficiente. A bola não chegava à nossa área. Em compensação, as poucas que chegavam lá na frente, o baixinho guardava. Assim vencemos, assim perdemos. Vencemos a Copa na terra do Tio Sam; perdemos o futebol arte, plástico, cujo expoente máximo fora a Seleção de 82.

Faltando alguns minutos para as cinco me aprumei na frente da tevê. Puxei a poltrona pra mais perto, preparei um tira-gosto, abri uma breja. O time que iria jogar se aquecia numa parte do campo. O reserva, noutra. Escalei a equipe e percebi o arrojo do Scolari: Bernard, o menino prodígio, com alegria nas pernas, iria pro jogo. O Brasil atacaria os alemães. O jogo prometia. Um espetáculo se anunciava.

Passada quase uma semana do término da Copa do Mundo no Brasil, e exatamente onze dias do fatídico 08-07-14, ainda estamos juntando os cacos e nos perguntando: o que aconteceu? Acho que já me permito algumas reflexões depois de dias de apoplexia.

O brasileiro, na temática futebol, tem a mania de achar que o mundo gira em torno de seu umbigo. Nossa arrogância é singular. Somos os melhores e, para isso, temos cinco Copas do Mundo para justificar. Quando acontece uma tragédia dessas, entramos em parafuso, instala-se o processo de caça às bruxas, multiplica-se nos midiáticos um repertório de bobagens, há pouca, pouquíssima lucidez pra ser visitada.

É engraçado. É a primeira vez que vejo a crônica esportiva, quase na sua totalidade, defender um Brasil retrancado. Cheguei a ouvir comentários no sentido de que deveríamos jogar atrás, fechadinhos, deixando apenas um jogador na frente, explorando o contra-ataque. Historicamente, a crítica sempre defendeu o futebol arte, remetendo-se à Seleção de 82. E os técnicos? Sempre pensaram e agiram no sentido contrário, que o diga Parreira em 94. Vejo uma curiosa inversão de papéis. Scolari quis ganhar jogando pra frente. A imprensa defende que deveria jogar pra trás. O mundo do futebol está ao contrário e ninguém reparou.

A Alemanha não ganhava nada havia 24 anos. Iniciou o trabalho com o Löw há 10, não ganhou nada nesse período. É preciso tempo. O brasileiro tem paciência? Ou na primeira queda pediria a cabeça do treinador?     

Nada justifica o vexame. Precisamos mudar a cultura do futebol. Aliar a nossa capacidade nata com organização e conhecimento técnico e tático, que precisa ser importado. No mínimo, atualizado. Para isso talvez precise de algo que o brasileiro, quando o assunto é futebol, não tem: HUMILDADE.  No fatídico 08-07, ainda consegui ver o gaúcho juntando os cacos, enquanto eu juntava os meus.

sábado, 12 de julho de 2014

Linda Bela

Meia hora depois de chegar ao consultório, o doutor me recebe.

“Você se chama...”

“Geia. Pode me chamar de Geia”.

“Então, Geia. A situação de sua menina é grave. Eu diria que é gravíssima. Ela está com problema de pele sim! Pelo resultado do exame vi que é uma micose, mas esse é o menor dos problemas. O grave aqui é o rim. O dela está detonado. Eu diria que ela está na iminência de óbito”.

Antes de pensar bobagem, meu amigo, eu explico: estava no veterinário. O doutor, no caso, é o próprio. A menina, a minha menina, como ele disse, é uma cadela poodle já bastante idosa.

“Olha aqui os exames dela. Ureia. O limite é 60 mg/dl. O dela tá dando 319. A creatinina também tá alta. Ó, tá 8,53. O limite é 1,60 mg/dl. A literatura médica diz que acima de 9,00 o quadro é irreversível. Ela tá quase no limite. Se fosse um ser humano seria caso de hemodiálise. Há hemodiálise pra cachorro? Há. Não aqui, claro. Talvez em São Paulo. Campinas acho que tem. Nova York com certeza. Eu sei que é inviável”.

“ E aí?”, pergunto eu, meio encabulado.

“Sua menina é uma doente exemplar. O paizão aí deve ter muito orgulho dela. Ela não chora, não geme, parece que não tem nada. Só mesmo a perda de peso. De resto, parece que não tem nada. Mas os exames mostraram a gravidade do quadro” — vejo o doutor com o semblante grave.

“Bom, Geia, vamos tentar fazer o seguinte: vou lhe receitar dois remédios. Revimax Propentofilina 50 mg. Você dá metade, uma vez ao dia, durante dez dias. Baytril Flavour, você dá uma vez ao dia, também durante dez dias. Será necessário uma dieta alimentar. Meia latinha de Hill’s K/D por dia, misturada na ração. Depois de uma semana você volta aqui e repetimos os exames. Especialmente esses da ureia e da creatinina. Se os níveis baixarem, nem que seja um pouquinho, ótimo, sua filha estará respondendo bem ao tratamento. Caso contrário, aí a gente pensa”.

Saí de lá meio borocochô. Ainda mais porque mergulhei num universo de amor filial meio estranho pra mim, eu admito. Havia uma mãe preocupada com sua filhinha que debutava na tosa. Ela estava visivelmente tensa. Talvez mais tensa que a cadela. Quando a mocinha veio trazer sua menina, eu nunca vi coisa igual. A cachorra, também um poodle, começou a rodopiar no pescoço da mãe. Como nessas cenas de videocassetadas, em que o cachorro quer pegar o próprio rabo. Um casal estava lá com três cães. Um deles, no colo do pai. De vez em quando, beijavam-se amorosamente na boca. Havia um cachorrinho que dormia preguiçosamente no colo do rapaz, sendo por ele acarinhado. Uma cena terna. Quando terminei de pagar os remédios, ainda deu tempo de ouvir as instruções da jovem mãe que acabara de chegar com sua pimpolha: “Pode aparar as unhas. Se o pelo embaraçar pode deixar que em casa eu mesmo desembaraço. Isso dói muito e ela sofre. Ah, quanto à fitinha na orelha, eu queria cor-de-rosa, pode ser? Fica com Deus, tá filha! A mamãe já volta!”.

Borocochô. Completamente. Me sentindo o pior dos pais. Um insensível. Incapaz de derramar uma simples lagriminha.

P.S.: 10 dias depois de escrever esta crônica, Linda Bela nos deixou.

sábado, 5 de julho de 2014

Mais Copa

Até agora não entendi a conversa do Ministro da Justiça. Na abertura da Copa, Itaquerão lotado, a polícia descobre um cara próximo às autoridades em uma área de acesso proibido, com uniforme do GATE. Detalhe: o cara estava armado. Um atirador de elite avisa seus superiores sobre o intruso. Da sala de comando chega a informação de que não há nenhum policial do GATE naquela área. Desconfiam de algum terrorista disfarçado de policial. O atirador então pede autorização para abatê-lo. Abatê-lo! Isso mesmo! Resolvem esperar um pouco. Sacumé, né?, o ato poderia provocar pânico, criar um tumulto. De repente, na mesma sala de comando, repleta de policiais civis, militares e homens do Exército, alguém, olhando pelo monitor, o reconhece. Um policial. Um policial do GATE. Avisam o cara. Ele sai de lá.

Aí o Ministro da Justiça aparece pra dizer que o episódio foi normal e corriqueiro. Meu Deus! Se isso é normal e corriqueiro, não quero nem pensar no que possa ser anormal, segundo os seus critérios. Não me parece normal você se preparar para abater um homem de bem como se ele fosse um frango, e que está trabalhando exatamente para garantir a segurança das pessoas, não?

O cara faz do dente uma arma. Do céu ao inferno. De herói a vilão. Essas expressões cabem muito bem pra situação do moço, não? Precisava daquilo? Era um lance bobo! Ainda que por meios escusos ele tirasse o beque da jogada, não iria acontecer nada, absolutamente nada. Na comemoração, após o término do jogo, ele tava lá com cara de ameba, de Pernalonga depois de tomar uma rasteira. Viu? Eu vi. Ele sabia que tinha feito bobagem e que levaria um gancho. Ô, Suárez, depois daqueles dois golaços contra os ingleses você apronta uma dessas? Bye, bye, Brasil, ué! Quer o quê?

O Brasil inteiro pesa nas costas dos nossos esforçados meninos. Deu pra notar bem nitidamente isso no rosto sofrido de nossos heróis. Eu nunca vi coisa igual: uma seleção tão com cara de derrotada antes de uma decisão por pênaltis como a do Brasil no jogo contra o Chile. Thiago Silva, o nosso capitão, abaladíssimo. E o Júlio? Surpreendentemente ganhamos. Surpreendentemente porque, ao contrário do Brasil, o Chile estava confiante, consciente de que nunca jogou tanto como naquela tarde quente em BH. E em decisão por pênaltis, confiança é tudo.

A propósito, sinto por demais tudo que o Júlio César passou nesses quatro anos. Sinto porque seu sofrimento foi imerecido. O Brasil de Dunga foi uma grande seleção. Ganhou jogos memoráveis, ganhou torneios. Na Copa de 2010, no jogo contra a Holanda, fizemos um primeiro tempo fantástico. Jogamos mal o segundo, falhamos, perdemos a cabeça e o jogo. Mas peraí? Quando teremos a humildade de reconhecer que não dá pra ganhar todas as Copas? Aquele gol contra a Holanda não apaga a história de sucesso e vitórias do Júlio.

Quando você estiver lendo esta crônica com ares de bate-bola, o jogo contra a Colômbia já será passado. Oxalá, meu amigo, que nessas alturas do campeonato você esteja aí curtindo a Copa, emocionado com o esporte bretão, e tomando umas brejas pra comemorar a vitória do Brasil.

P.S.: jogamos bem e passamos com autoridade. Mas Neymar fora da Copa? Sei não...

Comunicado

O autor informa que suas crônicas estão sendo publicadas com exclusividade na página Crônica do Dia ( www.cronicadodia.com.br ). Convida...