Deixa a sua caneca já quase sem café no
chão, tira os seus óculos porque de perto está vendo melhor sem, e se põe de
cócoras para examinar com mais acuidade o delicado inseto. Com um pequeno
graveto, começa a cutucar a borboletinha, que parece dura como um pedaço de
osso.
José Saramago disse um dia que a águia
é um animal magnífico. Pois ele, rendendo homenagens ao saudoso escritor, diz
que a borboleta é um inseto magnífico. Vê que as seis patas continuam lá, como
também continua lá o par de antenas sensoriais. Nenhum arranhão, nenhum indício
de que tenha sido assassinada. Sim, porque num primeiro momento lhe veio à
mente a remota possibilidade de seu cão ter ressuscitado da hibernação, e ter
feito com ela o que não faz há tempos com as baratas, mas o exame superficial
estava lhe dizendo exatamente o contrário.
Será? Põe a mão no queixo e tenta puxar
da memória a imagem da suposta irmã gêmea, para se convencer de que se trata de
pura divagação de quem não tem o que fazer, mas a primeira coisa que pensa é o
que mais lhe chamou a atenção na borboleta morta: a combinação de cores, o azul
cobalto, o preto nas extremidades.
Volta para sua cadeira, para sua
caneca, insatisfeito e incomodado. Toma mais uma golada, mas o café, outrora
quentinho e saboroso, agora dorme frio. Se seu avô ainda estivesse aqui, lhe
mandaria parar de ficar pensando asneira e ir logo fazer um joguinho: borboleta
na cabeça!
Se realmente as borboletas eram gêmeas,
e mediante algum tipo de comunicação sensorial, uma sentiu a morte da outra, ele
não sabe. Só sabe que aquele acontecimento pífio do começo do dia lhe tirou do
prumo. Não com a morte em si, pois ele tem consciência de que todos nós
morreremos um dia, mormente as borboletas, que duram no máximo dez meses. Mas
com a morte solidária. A possibilidade de existir um elo misterioso, a
comunicação sensorial entre insetos, que dirá entre humanos, é realmente
sensacional. Que morte digna!
Mas o mais apavorante aconteceu depois,
quando ele já estava se preparando para entrar em casa: eis que surge no
quintal uma terceira borboleta, idêntica às outras, azul, preta. (Trigêmeas? Aí
já é demais!!!) Ela pousa suavemente próximo à casa de Bela. Ele ali, perplexo,
vendo a cena, como se fosse uma final de Copa do Mundo, a caneca já tremendo em
suas mãos. Passam-se alguns minutos e, para o seu espanto, tão placidamente
quanto pousou no chão, ela tomba cinematograficamente para um dos lados.
Morreu.