Patrimônio é uma história real, a história do
próprio Philip, que acompanha o pai
de 86 anos – famoso pelo vigor, pelo charme e pelo repertório de lembranças de
Newark _, na luta contra o tumor
cerebral que irá matá-lo.
Herman Roth é um homem vigoroso, de personalidade
peremptória, possessivo, que mesmo diante dos problemas que toda estrutura
corporal apresenta após mais de 80 anos de uso, vai levando a vida de viúvo
aposentado, com relativa independência e autossuficiência, até ser surpreendido
por um tumor na região cerebral, aos 86 anos de idade.
Esse caroço que cresce na cabeça de Herman
vai transformando lentamente sua vida: primeiro, a perda da visão no olho
direito; depois, a paralisia facial manifestada de forma súbita após ter voado
de Nova Jersey para West Palm Beach, a fim de passar os meses de inverno num
apartamento, cujo aluguel, dividia com uma amiga, e diagnosticada erroneamente
pelos médicos como paralisia de Bell. E assim, a doença vai andando e
provocando estragos, dificultando o funcionamento das funções mais comezinhas
como a identificação do momento de se dirigir a um banheiro.
A história de Herman nos é apresentada por
seu filho Philip, o renomado e lido escritor norte-americano, de forma
nua e crua, sem eufemismos, sem sentimentalismos, numa linguagem simples e
direta.
Uma narrativa cuja linearidade vai sendo
entremeada por suas lembranças. Philip vai desnudando a personalidade do
pai, suas manias, suas obsessões, suas atitudes possessivas com a mulher e amigos,
e no que esse homem vigoroso e senhor de si vai se transformando.
Como em Homem Comum, o corpo mais uma vez
é o grande protagonista da narrativa. A decadência física de Herman Roth
nos é apresentada em detalhes, é o patrimônio herdado por Philip, que
recusa até o dinheiro que receberia por direito:
“Levei a fronha fedorenta para baixo e a pus num saco de lixo preto
que fechei bem fechado, jogando-o no porta-malas do carro para deixar mais
tarde na lavanderia. E, agora que a tarefa fora concluída, não podia estar mais
clara para mim a razão pela qual aquilo era certo e era o que tinha de ser.
Aquilo era o patrimônio. Não que limpá-lo simbolizasse alguma outra coisa, mas
porque não simbolizava nada, porque era nada mais, do que a realidade
existencial nua e crua.
Ali estava o meu patrimônio: não o dinheiro, não os tefilins, não a
tigela de barbear, mas a merda”.
Philip
se mostra um filho atencioso, amoroso. É de doer o carinho, o cuidado, a
atenção, o comprometimento que ele destina ao pai.
Embora melancólico, é uma história da vida, que
se repete todos os dias em todos os lugares. Um retrato da própria existência.
Uma joia de livro.