sábado, 28 de julho de 2012

Patrimônio, de Philip Roth

A leitura corre fácil. O enredo é complexo. Se pungir significa produzir boa literatura, Philip Roth mais uma vez marca um gol de placa.

Patrimônio é uma história real, a história do próprio Philip, que acompanha o pai de 86 anos – famoso pelo vigor, pelo charme e pelo repertório de lembranças de Newark _,  na luta contra o tumor cerebral que irá matá-lo.
Herman Roth é um homem vigoroso, de personalidade peremptória, possessivo, que mesmo diante dos problemas que toda estrutura corporal apresenta após mais de 80 anos de uso, vai levando a vida de viúvo aposentado, com relativa independência e autossuficiência, até ser surpreendido por um tumor na região cerebral, aos 86 anos de idade.
Esse caroço que cresce na cabeça de Herman vai transformando lentamente sua vida: primeiro, a perda da visão no olho direito; depois, a paralisia facial manifestada de forma súbita após ter voado de Nova Jersey para West Palm Beach, a fim de passar os meses de inverno num apartamento, cujo aluguel, dividia com uma amiga, e diagnosticada erroneamente pelos médicos como paralisia de Bell. E assim, a doença vai andando e provocando estragos, dificultando o funcionamento das funções mais comezinhas como a identificação do momento de se dirigir a um banheiro.
A história de Herman nos é apresentada por seu filho Philip, o renomado e lido escritor norte-americano, de forma nua e crua, sem eufemismos, sem sentimentalismos, numa linguagem simples e direta.
Uma narrativa cuja linearidade vai sendo entremeada por suas lembranças. Philip vai desnudando a personalidade do pai, suas manias, suas obsessões, suas atitudes possessivas com a mulher e amigos, e no que esse homem vigoroso e senhor de si vai se transformando.
Como em Homem Comum, o corpo mais uma vez é o grande protagonista da narrativa. A decadência física de Herman Roth nos é apresentada em detalhes, é o patrimônio herdado por Philip, que recusa até o dinheiro que receberia por direito:

“Levei a fronha fedorenta para baixo e a pus num saco de lixo preto que fechei bem fechado, jogando-o no porta-malas do carro para deixar mais tarde na lavanderia. E, agora que a tarefa fora concluída, não podia estar mais clara para mim a razão pela qual aquilo era certo e era o que tinha de ser. Aquilo era o patrimônio. Não que limpá-lo simbolizasse alguma outra coisa, mas porque não simbolizava nada, porque era nada mais, do que a realidade existencial nua e crua.

Ali estava o meu patrimônio: não o dinheiro, não os tefilins, não a tigela de barbear, mas a merda”.   

Philip se mostra um filho atencioso, amoroso. É de doer o carinho, o cuidado, a atenção, o comprometimento que ele destina ao pai.
Embora melancólico, é uma história da vida, que se repete todos os dias em todos os lugares. Um retrato da própria existência. Uma joia de livro.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

sábado, 21 de julho de 2012

Messi não é argentino

Tampouco brasileiro. Infelizmente. Não, não, não é uma bomba. É uma constatação. Estava andando distraidamente pela rua quando quase fui atropelado por um garoto de bicicleta, vestindo a camisa da seleção argentina. Deu só pra ver as letras garrafais em suas costas: “MESSI”, e o número 10.

Nesse mesmo dia vi outro garoto, com seu pai, este menorzinho, uns 8 anos, também com a camisa 10 de nossos hermanos. Pensei: isso não havia no meu tempo! Claro, não tinha um punhado de coisas: internet, celular, máquina fotográfica digital, coca-cola dois litros, não se falava em globalização etc. etc. etc.

Hoje é muito comum ver pessoas com a camisa do Milan, do Barcelona, da seleção inglesa. Mas vestir a camisa da Argentina? Sei lá... No meu tempo nós vestíamos também a 10: a do Zico. A 8 do Sócrates. A 11 do Eder. Eta, seleção porreta!

Por curiosidade fiquei mais atento em minhas caminhadas matinais. E não é que se multiplica absurdamente o número de camisas 10 de Messi em território canarinho? Deve ter uma explicação. Claro que tem. Muitas.

O cara é um gênio com a bola no pé. Joga muito. É o melhor do mundo. Tudo bem. Mas só esses fatos não me convenciam. Até que assistindo ao último Brasil e Argentina eu tive um insight: Messi não é argentino! É isso! Ele não tem aquela raiva estampada no rosto que todos os jogadores argentinos têm quando enfrentam o Brasil. Não dá porrada, não xinga, não é desleal. Ao contrário. Ele apanha, leva tostão, bordoada por todos os lados, e seu semblante não muda. Está sempre calmo. Até aceita desculpa de brasileiro perna de pau, dá a mão. E joga com classe, com aquela perninha esquerda que nem Maradona tinha.

Não. Esse definitivamente não é um jogador argentino. Messi é melhor que Maradona, que Neymar nem se fale, que Robinho, que Cristiano Ronaldo. É melhor que todos. Messi: você não me engana. Brasileiro eu sei que você não é; ultimamente quem joga assim está longe daqui. Mas argentino?  Nananinanão! Pra falar a verdade, começo a suspeitar que em suas veias corre sangue espanhol.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Biscoito fino

Estou curtindo muito o novo CD do Chico Buarque. Sinceramente: um espetáculo! Pena que são 10 músicas apenas, 31 minutos, mas tem cada canção, meus amigos, biscoito fino, tem de saborear com delicadeza. Minhas favoritas são Querido diário, Tipo um baião, Se eu soubesse, e as maravilhosas Sem você 2, Nina, e Sinhá. Sempre gostei do Chico, de todas as suas canções, todas, todas, sem exceção, mas esse seu novo CD é um espetáculo, o cara é mesmo genial. É um CD para se ouvir muitas vezes. Recomendo muito!

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Preguiçosamente

Férias. Acordo cedo, uma refeição matinal sem pressa, uma caminhada. A praça Santa Teresinha não é uma orla de Copacabana, ainda mais em dia de semana, barulhenta, poluída, mas é melhor do que estar na secretaria mergulhado em processos. Após uma horinha, paro e tomo água de coco. Só falta o marzão. Volto pra casa, um banho, depois me achego ao notebook para ler as notícias do jornal, escrever crônicas, revisar meu livro. Almoço com as crianças no shopping, passo na locadora, pego uns filmes e volto pra casa. À tarde, durmo um pouco, depois mergulho em “Patrimônio”, de Philip Roth. Eta, vida boa. Minhas férias saíram no último minuto do segundo tempo. Não deu pra viajar, pois Cris continua trabalhando. Mas é sempre bom exercitar nosso direito à preguiça. Se até Cristo defendeu esse oásis no sermão da montanha, imagine eu de férias!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Dá-lhe porco!

Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco! Dá-lhe porco!







http://www.youtube.com/watch?v=CCqITFHS6UU&feature=related

domingo, 8 de julho de 2012

A felicidade

Sobre o balcão do restaurante onde almoço às sextas-feiras, para comer um delicioso filé de frango coberto de molho de gorgonzola dos deuses, descansam dezenas de revistas velhas e para todos os gostos. Fiz meu pedido e apanhei uma aleatoriamente. Deparei-me com uma Época de 2008, que trazia na capa o Dalai Lama mostrando a língua. Confesso que estranhei. Abusado ele, hein? Um líder que para muitos é a própria reencarnação de Buda?

O “Budismo pop” em palavras garrafais me convidava a ler a matéria. Não titubiei. Antes quero dizer que admiro profundamente o Dalai Lama, e o considero um dos seres mais iluminados do nosso planeta.

 O que um monge tibetano tem a dizer a um europeu, um americano, um brasileiro?, era a pergunta do interlocutor. E a resposta: “Aonde quer que eu vá, onde quer que eu encontre as pessoas, falo sobre um assunto: todos queremos a felicidade. Uma vida feliz não depende somente do dinheiro ou da propriedade material, mas sim do nosso pensamento. Tenho alguns amigos muito ricos, bilionários, mas como pessoas são muito infelizes, não têm paz interior. Estão sempre preocupados, preocupados, preocupados. E algumas pessoas muito pobres, com facilidades materiais muito limitadas são, entretanto, pessoas muito felizes. Isso significa que a felicidade depende muito da atitude mental”.

A comida chegou e não tive tempo de continuar a leitura. Mas confesso que aquelas palavras me incomodaram. Nenhuma novidade. Com certeza você já deve ter ouvido isso milhões de vezes, que dinheiro não traz felicidade etc. etc. Eu também. Mas de repente, algo me tocou naquelas palavras.

Essa necessidade de respostas é universal: a tal felicidade. Todos nós a queremos. Outro dia li não sei onde que nós só conseguimos ter a percepção exata de uma situação de felicidade depois que ela passou. Isso quer dizer que quando eu estou vivendo um momento feliz, eu não consigo identificá-lo. Isso só vai acontecer depois que ele passou e resta a saudade. Dizem os grandes iluminados que nós não vivemos o presente; vivemos o passado, relembrando momentos felizes ou ruminando alguma chateação; e vivemos o futuro, planejando, dizendo lá no fundo que quando eu conquistar isso ou aquilo, quando eu chegar ao topo, quando eu ganhar bastante dinheiro, quando eu tiver sucesso e prosperidade, eu vou experimentar um pouquinho do prato da felicidade. Eu sou assim. Acho que muita gente é assim. As palavras do Dalai, portanto, como um tambor indígena, começam a ecoar em minha cabeça: a felicidade não está condicionada a um fator externo, uma conquista, a aquisição de bens materiais, um novo amor. A felicidade está em nossa mente.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Uma morte estúpida

1. No esquife, colocado no centro da sala escura, jaz serenamente um sujeito velho, cabelos brancos, rugas no rosto, e um semblante de boa gente. Ao redor, pessoas choram e sentem aquela partida inesperada. Duas mulheres – as filhas, não se conformam, e tentam a todo o custo, manejando delicados lenços de cambraia, estancar a água salgada que cai dos olhos. Algumas criancinhas – as netas, choram amparadas pela avó, que de todos, parece a mais forte. Uma morte estúpida – é só o que se ouve. Uma morte estúpida.

2. Ele esquece de acionar a seta ao estacionar. Um sujeito de moto que estava atrás, começa a xingá-lo usando todo o seu repertório de palavrões. Por mais que esteja errado, ninguém gosta de ser xingado em praça pública. Apesar da idade e da pouca força, ele desce do carro e responde à altura. Depois de xingamentos mútuos, o sujeito grandalhão joga o capacete com raiva, empurra seu desafeto que cai e dispara à queima-roupa.

3. A polícia derruba a porta velha e encontra a família reunida. A mulher, uma mulata gorda, chora abraçada ao marido e aos seus dois filhos. Os policiais não entendem a cena. Olham ao redor: uma cozinha ordinária, fogão, geladeira, pia, armários, mesa e cadeiras. Tudo bem arrumado. O homem, após beijar a mulher e as crianças, se levanta com as mãos para cima e não oferece resistência. Na calçada, os policiais ainda ouvem o choro que vem de dentro.

Comunicado

O autor informa que suas crônicas estão sendo publicadas com exclusividade na página Crônica do Dia ( www.cronicadodia.com.br ). Convida...