sábado, 30 de março de 2013

Dia de corrida

Confesso que não estava com a mínima vontade de perder tempo estudando um caminho adequado para chegar com tranquilidade à Dona Bella. Quando vi no jornal do meio-dia que todas as ruas por onde passaria a XXVIII Corrida General Salgado estariam fechadas, já imaginei o sufoco.
Pensei, pensei, e resolvi fazer o mais simples. Deixo o carro na Santa Teresinha e vou a pé, aproveitando para curtir um pouco do sossego da Armando Salles. E deu tudo certo.
Já estava tomando meu cafezinho quando o primeiro pelotão apontou na Praça da CTI. Não eram quenianos, mas tinham lá as pernas deles, ah, tinham!!! Pareciam pernas de seriema de tão finas e longas. Elas saltitavam, saltitavam que era uma beleza. Em poucos segundos, já carreavam seus donos para o começo da Nove de Julho.
Junto com meu pãozinho chapado chegou outro pelotão de corredores, esses num ritmo mais moderado. Eles trotavam. Um passo cadenciado, sereno, muito mais gostoso. O passo de quem vai longe.
Digo pra você que de uns tempos pra cá eu também dei de trotar. Como já caminho há bastante tempo, resolvi pular de fase, uma adiante, onde o gasto calórico é um pouco maior. E é uma delícia. A Monicke lá da cidade simpatia disse que eu não vou querer saber mais de caminhar, e acho que ela está certa.
Procurei, procurei, mas não encontrei a turma da bagunça. É que a gente vê a São Silvestre, aquela profusão de faixas, de gente fantasiada de personagens famosos, que fui levado ao erro de achar que essa prova simpática e familiar pudesse atrair os holofotes da mídia, e com eles, a profusão de gente querendo aparecer.
Se bem que um repórter da Vanguarda estaria no trem colorido da alegria, mas só isso não seria suficiente para encher os vagões de faixas e Batmans e Super-Homens e Mulheres Maravilhas e coisa e tal.
Mas tinha lá um correndo com guarda-chuva aberto, embora fizesse um sol escaldante, alguns empurrando carrinho de bebê, outros com cachorros na coleira. Uma corrida familiar, bem familiar.
Por fim, já com meu suquinho de laranja descendo docinho, a turma que se inscreveu para caminhar, apenas caminhar e desfrutar da paisagem outonal exuberante das ruelas vazias, famílias inteiras, amigos, uma beleza.
Retornei com a pança cheia e feliz da vida. A energia positiva transcende daquela gente esfuziante e contamina para o bem quem está apenas assistindo.  Na Santa Teresinha, quase fui atropelado pelo trenzinho que agora se dirigia para o quartel. Tinha até uma dupla sertaneja em frente à farmácia, cercada de recos fardados ‒‒ acho que meu sobrinho Felipe devia estar no meio deles ‒‒, cantando Rolando Boldrin para animar a rapaziada que já dava sinais de cansaço.
Meu Deus... Mesmo na caminhada, já tinha gente com a língua de fora, lutando contra a natureza para terminar a prova. Pensei até em alertar um ‒‒  deixa disso, meu amigo; chegou no limite, para aí. Mas bufando contra o sol e o asfalto, e os quilômetros que ainda faltavam para o fim, ele seguiu determinado.
Com meus trotezinhos e com a calma de um monge tibetano, eu vou contornando a praça Santa Teresinha. Quem sabe ano que vem pego meu lugar na janelinha do trem?
Tô animado!!!


sábado, 23 de março de 2013

A igreja não funciona mais

Nos idos dos anos oitenta, tinha lá na Santa Teresinha uns coroinhas da pesada. O saudoso monsenhor Teófilo os chamava de “fuzarquinhas”. Eu gostava do apelido, mas na época, nem sabia o que era.
Como não sabia o que era mictório. Numa tarde de sábado, chegando à sacristia com a batina cinza debaixo dos braços, fui interpelado por um senhor engravatado me perguntando onde ficava o mictório. Eu pensei, pensei, e soltei o verbo com a mais inocente sinceridade: “aqui não tem isso, não!!!”. Ele ficou nervoso: “Banheiro!!! Onde fica o banheiro!!!”
Mania das pessoas suavizarem as expressões. São os eufemistas de plantão! Falasse logo pro pivete de dez anos banheiro, e não mictório, ora bolas!!! O cara devia ter merda na cabeça, e sem eufemismos, certo???
Mas, voltando aos coroinhas, eles eram de matar mesmo. Ninguém aguentava, só o Teófilo. Uma vez jogaram um aviãozinho de papel e ele ficou pendurado no altar; outra, jogaram uma bola de tênis nos vitrais, que se estilhaçaram; no sermão, a gente copiava o Romildo, na época seminarista, e tirava uns bons cochilos; muitas vezes brigávamos em pleno altar, na hora da celebração, e eu já vi muito coroinha dando porrada no estômago do colega antes de comungar. Ah, era uma farra...
Aquilo que era coroinha de verdade, com os defeitos próprios da idade, não esses anjinhos perfeitos que a gente vê por aí. 
Dali muitos foram para o seminário ‒‒ padre mesmo só brotou um ‒‒, foram comandar a liturgia, as pastorais, o grupo de jovens, foram tocar violão na missa, e hoje são respeitados pais de família, professores, servidores públicos, atores, metalúrgicos, mergulhadores, dançarinos; brotou até um pastor.
Naquele tempo a gente assistia a muita missa. Meu Deus, era missa sábado, domingo de manhã, à tarde, à noite, isso quando não aparecíamos por lá em dia de semana. E a gente gostava, mas gostava mesmo!!! Até hoje eu tenho decoradas as palavras rituais. Também, acho que esse mesmo texto da liturgia, salvo algumas alteraçõezinhas para satisfazer os interesses da mulherada, perdura até hoje nas celebrações.
 O legal era a missa com padre que falava bem. Falar bem é falar linguagem inteligível e com emoção. E falar bem não é tão difícil assim, tem que ter vontade de falar para as pessoas entenderem. Senão, é o mesmo que dizer mictório para um pivete de dez anos nos anos oitenta. Hã?
E até hoje tem cada sermãozinho desgraçado. Não é sempre que a gente encontra um Fred por aí!  Outro dia eu peguei uma missa com o Carmo. Ah, não assisto mais missa com ele. Se ele entra por um lado eu saio pelo outro. Ô, homem pra falar!!! Ele começou dizendo pra gente não se preocupar, que ele tinha visita em casa e por isso falaria pouco. Ufa!, pensei. Falou 55 minutos!!! Isso porque iria falar pouco, santa mãe de Deus!!!
Mas esse modelo de missa já deu o que tinha de dar. Não serve mais. Tem de mudar! Eu cansei. Chega de hipocrisia de minha parte. Ficar lá escutando aquele blá-blá-blá banzé pra nada. Chega de intermediários.
“O nosso jeito de fazer missa, de fazer evangelização, essa nova evangelização precisa de novos métodos”. “Hoje, a igreja precisa, de fato, de uma reforma em todas as suas estruturas”. “A igreja não funciona mais” (D. Claudio Hummes, em entrevista à Folha)
Discutir o fim do celibato, a ordenação de mulheres, o enxugamento patrimonial em prol de ações humanitárias, por exemplo.
Ainda bem que D. Claudio Hummes, o cardeal brasileiro mais próximo do novo papa, pensa assim.
Há uma luz no fim do túnel. Acho...

sábado, 16 de março de 2013

Valentina

Estão leiloando a virgindade da Valentina. Agora virou moda, todo mundo quer dar um jeitinho de ganhar uma grana extra, nem que esse jeitinho seja dar.
Quem ganhar vai ter direito a uma noite em suíte presidencial num motel de São Paulo, jantar especial à luz de velas com direito a champanhe francesa, banho aromático com pétalas de rosas, lingeries especiais para a ruiva e uma câmera digital para filmar e mostrar aos amigos. Nossa!!! O maior lance até o momento é de R$ 99.100,00.
Essa história não seria tão esdrúxula assim se Valentina não fosse uma boneca inflável. Mas não é qualquer boneca, não!  Valentina é a mais realista das bonecas infláveis. A sua pele é feita de cyberskin, um material muito próximo da textura da pele humana, o cabelo é tratado fio por fio e tem de usar até xampu, ela tem 1,65 de altura, olhos verdes, lábios carnudos, seios fartos, cintura fina e peso de uma mulher humana. Quase perfeita.
Custa nos Estados Unidos cerca de US$ 7.000,00. No Brasil, ela chegou pela bagatela de R$ 38.000,00, trazida por uma empresa de sex shop a fim de divulgar a Mostra Internacional de Bonecas Infláveis que acontecerá em São Paulo. Ah, e tem mais um detalhe: depois da noite no motel, Valentina terá de ser devolvida e vai virar garota de programa.
Quando vi esses detalhes na notícia, fiquei com a pulga atrás da orelha. É doideira demais!
Fazer sexo com uma boneca é substituir uma mulher de verdade, quente, de carne e osso, por um ser inanimado. Será que existe alguma vantagem nessa idiotice? Tá, Romão, eu repito o que você tá dizendo, ela não fala, não usa cartão de crédito, não discute relação, tá, Romão!!!, tá bom assim?
 Mas pera aí! Não tem nada que substitua o fogo de uma mulher na cama, tem? E se você não tá satisfeito, Roma, faça um acordo com ela: um entra com o pé, o outro com a bunda!
Existem milhões de brinquedinhos por aí apimentando o sexo entre quatro paredes. Mas o que chama a atenção é que nesse caso estão reproduzindo uma mulher inteira, e não apenas os órgãos consoladores do corpo humano.
E o preço? Com o valor que tá você compra duas Valentinas e leva pra casa! O que sobrar você gasta em cerveja. Escreveram que pagando isso o cara dorme na zona, se quiser, por uns bons três anos. O Zé falou que ele pegava a musa do comercial por uma semana!
E o jantar, então? Um monólogo? O cara vai beber champanhe francesa, vai ficar falando sozinho, e ainda vai filmar para mostrar para os amigos? E o mico que ele vai pagar diante dos garçons? Santa mãe de Deus...
Não, na minha casa Valentina não entra! Nem que eu fosse um bocó, ou o mais sozinho dos terráqueos, aqui não, jacaré!!!
‒‒ Me passa o telefone aí, Serginho, que eu vou dar um lance...
‒‒ Deixa disso, Roma, dá um pé na bunda dela, arruma outra...
Mas Romão, cego e surdo, já estava discando.
‒‒ É tudo que eu pedi na vida... Alô!!! Alô!!!
‒‒ Desliga isso...

sábado, 9 de março de 2013

É bom de ver

Você gosta de café? Puro, de máquina, forte, amargo? Não? Tem gente que adora. Mas e do cheiro do café, você gosta? Como é bom abrir o pacote e sentir o aroma subir pelas narinas. Não é bom? Talvez o cheiro do café seja muito melhor que saboreá-lo.
Os entendidos no assunto dizem que café se toma amargo, nada de açúcar. O açúcar, esse vilão que eu adoro, muda o gosto do café, como muda o sabor do suco, do leite... Ou seja, estraga. Café deve ser tomado puro, sem açúcar.
Você já deve ter experimentado aquele queijo coalho que se vende na praia, não? Aquilo me faz um mal... Entra e destrói tudo que vê pelo caminho. Como se fosse um desentupidor de pia dos bons. São dias e dias no banheiro. Mas o cheirinho dele fumegando na praia, hum, é demais.
Adoro sentir o aroma do cachimbo. Tem gente que não gosta. Eu gosto. Para mim é muito prazeroso. Às vezes estamos num determinado lugar, e logo aquele aroma reconfortante chega às narinas. Eu fico procurando de onde vem aquele cheiro mágico. Que sensação... Mas não sou fumante, e da minha boca eu o quero longe.
Chego ao atrevimento de dizer, para o inconformismo geral dos carnívoros de plantão, que o próprio aroma que o churrasco exala é muito melhor que a carne do pobre boi que é servida à mesa. Veja, não estou dizendo que a carne de churrasco não seja boa, ponhamos os pingos nos “is”. Estou dizendo que sentir o aroma do churrasco talvez seja mais prazeroso que comer a carne. Mas não adianta ficar explicando isso, é algo sublime demais... Bola pra frente.
Estava tomando café na padaria quando vi dois ciclistas conversando sobre o trajeto que iriam fazer naquela manhã de domingo. Os dois devidamente paramentados: roupa de esportista, capacete, óculos escuros, luvas, e uma bike daquelas. Lembrei-me do meu amigo Rogério Machado, do Téo, e de tantos outros que adoram dar umas pedaladas por aí.
Logo depois eles partiram, deslizando pelo entorno da Praça da CTI, até virarem a Nove de Julho sentido Tremembé. Eles deslizavam mesmo, e estar em cima daquelas bicicletas parecia ser uma delícia.
Fiquei pensando por que não tomo coragem e começo a andar de bicicleta. Estaria fazendo uma atividade física excepcional. Sem contar que na certa a bike me proporcionaria momentos muito especiais, de paisagem, de lugares pitorescos, de conhecer gente divertida por esses cantos que a gente tem por aí.
A bike é sem dúvida o veículo de transporte do futuro, ideal para pequenas distâncias nesse mundo maluco de máquinas e fumaças. Por que não? Por que não experimentar essa sensação maravilhosa que é praticar o ciclismo, sensações que são traduzidas em prosa e verso pelo Rogério no Facebook, pelo Téo, e por tantos outros?
Preciso mudar a minha cabeça. Por enquanto ela associa andar de bicicleta com o cheiro do café, do queijo coalho, do cachimbo e do churrasco. É bom de ver, mas...

sábado, 2 de março de 2013

Guerra dos Sexos

De férias, fui bisbilhotar as novelas. “Lado a Lado” é boa, embora seja profundamente irritante aquele negócio de fazer a mocinha sofrer o tempo todo. Ainda mais em se tratando da Camila Pitanga. Quando tudo parece bem, lá vem mais uma paulada na pobre. Passa a novela inteira pelejando, aí no fim, geralmente nos últimos dois capítulos, ela se dá bem. Mas a que custo, não?
Agora, insuperável mesmo está “Guerra dos Sexos”. Você que é noveleiro de plantão deve saber que se trata de um remake. No passado, Paulo Autran e Fernanda Montenegro interpretaram os papéis de Charlô e Otávio. Agora, quem os representa, não com menos competência, é o impagável Tony Ramos e a extraordinária Irene Ravache.
A novela é muito divertida, e chama a atenção a leveza com que Charlô e Otávio levam a vida, uma leveza, digamos, quase infantil, tão rara de se ver nos dias de hoje.
A vida ultimamente anda séria demais. As pessoas estão muito chatas, carrancudas, pesadas. Qualquer problema, por menor que seja, é motivo para se arrancar os cabelos. É só trabalhar, trabalhar, trabalhar, ganhar dinheiro, ter vida social, consumir, consumir e consumir. Os sonhos da infância ficaram pelo caminho e a gente nem percebeu. Poucas são as pessoas que têm prazer no que fazem, talvez por isso a vida se tornou mais feia.
O que você quer ser quando crescer? Bombeiro, jogador de futebol, cantor, médico, aeromoça, professor, piloto de avião. Tinha cada uma, mas as respostas eram baseadas acima de tudo no prazer, na satisfação que aquela profissão poderia dar. Mas saíram advogados, servidores públicos, padres, vendedores, metalúrgicos, ou qualquer outro profissional de qualquer outra área chata que tem por aí, menos o que se queria ser de verdade. A vida, com suas exigências, acabou levando o sujeito para determinado lado, e ele, nossa!, nem percebeu, talvez nem perceba ainda.
Até o futebol anda sério! Se o jogador dá uma de Garrincha, com dribles desconcertantes e jogadas inesperadas, é quebrado pelos adversários. O cara que sai para comemorar o gol com a torcida leva cartão amarelo. E tirar a camisa, então, nem pensar. Cadê a malandragem, o bom humor, a irreverência dos brasileiros? Os homens sérios e de mal com a vida estão acabando com tudo.
Proibiram o cigarro nos ambientes públicos. Proibiram a gente de ir a um bom restaurante e beber. Proibiram a bebida nos estádios. Proibiram inclusive de levar bandeira ou até mesmo uma inocente garrafinha de água num jogo de futebol. Devíamos dizer para esses caras: parem de proibir! Daqui a pouco a gente não vai poder sair de casa!
Para os intelectuais de plantão, assistir novela é a expressão mais bojuda da perda de tempo. Feito avarento, conto os meus minutos, cada segundo que se esvai... Mas diversão e entretenimento fazem tão bem à vida... Por que tudo tem que ensinar?
Se assistir “Guerra dos Sexos” ensina alguma coisa, eu não sei. Mas que diverte, ah, diverte! Não quer assistir, ótimo, não assista! Não quer sair por aí brigando com o sexo oposto, como fazem Otávio e Charlô, certíssimo, faz muito bem! Mas que a leveza deles poderia muito bem colorir a sua vida tão séria e cinzenta, ah, isso poderia!

Comunicado

O autor informa que suas crônicas estão sendo publicadas com exclusividade na página Crônica do Dia ( www.cronicadodia.com.br ). Convida...