Na
verdade, encontrei uma espécie de comunidade alternativa. Homens de cabelos
compridos e barba trabalhando, mulheres dançando loucamente, velho porra-louca
meditando. Alguma coisa relacionada a religião, foi o que pensei.
Tinha
um grupo que trabalhava numa igreja. Alguns homens fortes carregavam pedras
para dentro, outros preparavam uma massa escura, e tinha um jovem franzino que
orientava e indicava o que fazer.
Foi
este jovem que veio até nós.
“Aquela
capela está me dando um bocado de trabalho, mas logo vai estar pronta! Na região
da Porciúncula eu reconstruí uma parecida”.
“Você
reconstrói igrejas?” – perguntei, já convencido de que meu programinha de fim
de semana tinha virado água. Antes tivesse ido pescar com o Patrick.
“Não,
não... Hoje eu não sou mais um restaurador de igrejas. No passado eu fui.
Desenvolvi algumas habilidades... Por isso me propus a ajudar aqueles homens.
Mas eu descobri que para mim, o importante não era restaurar igrejas. Existem
homens hábeis que sabem fazer esse serviço melhor do que eu. A minha missão é
outra: cuidar de gente”.
Belo
lugar Maria me trouxe, pensei.
“Esse trabalho me dá um grande prazer. Lembro-me da
restauração da igreja de São Damião. Eu não dispunha de material nem de gente
disposta a me ajudar. Comecei do zero. Possuía apenas as minhas mãos, a minha
vontade... Não desanimei! Primeiro, convenci o capelão de São Damião de que a
igreja precisava ser reconstruída, ela estava caindo aos pedaços. Depois,
angariei com o povo bondoso os materiais de que precisava. Pedi, implorei,
consegui até que alguns camponeses que trabalhavam nos vinhedos da região me
dessem uma mão. Digo que foi um trabalho extraordinário”.
Ele
continuou.
“Mas
eu descobri que minha missão é cuidar de gente, não de igrejas. Eu não consigo entender como é possível alguém
passar uma vida inteira sem fazer algo por seu semelhante. A vida, nesse caso,
não tem valor. As pessoas são muito egoístas e só pensam nelas próprias. Todos
nós buscamos a felicidade. Pois vou lhe revelar um segredinho: a base da felicidade
está em ajudar os outros. Faça alguma coisa por alguém e pode ter certeza: você
experimentará um pouquinho do que chamamos de felicidade”.
Fez
uma pausa. Parecia refletir sobre alguma coisa. Olhou para mim e sorriu.
“Posso
ver que você é um moço simples. Isso é bom. A simplicidade é a rainha das
virtudes. Nós precisamos de pouco, muito pouco para viver. Viva com
simplicidade e ajude as pessoas. Faça isso e você será uma pessoa feliz”.
Minha
vontade foi dar uma gargalhada na cara dele, mas me contive. Um charlatão, isso
sim. Um moço simples...
Ele
se despediu com um abraço em Maria, outro em mim, e seguiu para a capela.
Maria
gritou:
“Francisco?”
Ele
se voltou para nós.
“Obrigada!”
Quando
abri os olhos não encontrei Maria, nem Francisco, nem aquela comunidade hippie,
mas os olhos molhados de meu pai. Não entendi nada. Parecia que não me via
havia tempos. E foi o que aconteceu. De tanto cheirar cocaína eu tinha sofrido
uma overdose e estava em coma naquele hospital havia mais de seis meses.
Parte
do que lhe contei eu sonhei. Ou vivi. Ou morri? Sei lá. Só sei que mudou a
minha vida e a de muita gente.