Se a civilização humana não fizer
alguma coisa logo, vai dar um exemplo formidável de burrice total e absoluta. E
depois somos nós os animais dotados de inteligência. Começo a duvidar...
Que
calor é esse, meu amigo? Onde nós vamos parar? Será que eu ainda vou estar vivo
para ver as tragédias que cavamos? A explosão de cabeças e miolos, corpos e
peles, arrastados por chuvas torrenciais que ano a ano despencam com violência
nos pisos lisos e escuros que o homem constrói, ate entupir, sem grande esforço,
nossas já congestionadas bocas de lobo?
Credo...
Que verborragia catastrófica...
Mas,
sinceramente, puxando pelo baú, não encontro tanto calor assim.
No
verão, lembro que eu saía na rua e o asfalto queimava o pé. Eu tinha mania de
andar descalço. Aliás, quem não tinha naquela época, hein? O pé, por conta
disso, ganhava uma casca dura e protetora, um escudo, sólido, que nem caco de
vidro, o inimigo número um dos pés descalços, chegava a assustar.
Está
certo que do baú eu também tirei um rasgão no meio dos dedos, nem sabia o que
era, mas eu saía descalço e do rasgo minava aquele líquido vermelho que até
hoje, nesta era de modernidade artificial, assusta os mais sensíveis. Resultado:
adeus à sensação de liberdade, o pisar na terra nua, na grama molhada, na poça
barrenta. Meu pé ganhou um kichute (lembra do kichute?) e pele de moça.
Quando
comecei a trabalhar, meu corpo foi vestido de calça comprida, sapato, meias e
camisa de botão. Adeus, calção. Peitoral nu. Vadiagem. Andava uma meia hora
pisando duro e desengonçado – demorei pra me adaptar aos sapatos. Chegava no
trabalho suando, o ventiladorzinho morrendo de trabalhar. Mas não... não... O
calor não era assim...
Casei
em janeiro. Cismei que queria um produto pra passar no rosto e conter o suor.
Já pensou, no altar, aquela cara cromada? Sem opções, meti um talco que não
decepcionou. E mesmo em janeiro, mesmo sendo talvez o mês mais quente do ano,
não senti tanto calor.
Talvez
em um único lugar eu tenha sentido calor parecido: Ubatuba. No verão. Um calor
abafado, insuportável, daqueles que a gente não quer deixar o chuveiro. Mas aí
não conta. Ubatuba é Ubatuba. Quente mesmo, principalmente no verão.
Mas
essa sensação de que as temperaturas estão subindo não é só minha: todo mundo
tá percebendo. Inclusive a ciência.
Um
grupo de cientistas que integram o projeto Berkeley Earth Surface, liderado
pelo físico americano Richard Muller, da Universidade da Califórnia, concluiu
recentemente que de fato a Terra está esquentando muito rápido: nos últimos 250
anos a temperatura aumentou 1,5 grau. Pode parecer, mas isso não é pouco. E a
causa? Alguém adivinha? Os gases poluentes emitidos pela atividade humana.
O
trabalho é idôneo. Inclusive Richard era um dos muitos cientistas céticos que
tem por aí, que defendem que o aquecimento nada tem a ver com a participação
humana. Muitos acham que o planeta está esquentando porque vivemos em uma era
interglacial, de aquecimento mesmo.
Mas
ele fez uma pesquisa séria, coletou dados de 39 mil estações de medições
meteorológicas durante dois anos, e concluiu o que a sensibilidade de qualquer
batuta já indicava: está cada vez mais quente. Eu sei, as pessoas na rua sabem,
todo mundo sabe.
Se
a civilização humana não fizer alguma coisa logo, vai dar um exemplo formidável
de burrice total e absoluta. E depois somos nós os animais dotados de
inteligência. Começo a duvidar...
Encontro
uns conhecidos meus que me param na rua e se dizem preocupados com a chegada do
verão. Sim, porque se na primavera estamos com esse calorão, imagina no verão!
Eu
faço uma troça. Esquenta, não! – digo. Esquenta, não! No verão refresca. E vá se acostumando! No
outono esfria. No inverno esquenta. Na primavera ferve... Está tudo de cabeça
pra baixo...