“(...)
gente roubando dinheirama do povo! Esses políticos aí! Você acha certo um
sujeito desses pegar dinheiro que podia estar ajudando os pobres? Dando comida
pra essa gente? E a saúde? Não falaram que essa merda de imposto era pra saúde?”
O padre respondeu: “mas existe sim gente bem intencionada, pessoas sérias que
querem fazer alguma coisa, mas infelizmente parece que não conseguem. Talvez o
próprio sistema não permita”. “Que sistema, padre? A verdade é uma só: ninguém
quer saber de nada! Bom mesmo era no tempo dos militares! Naquele tempo não
tinha essa roubalheira de hoje!”
Esse
discurso eu já ouvi na vida real, saindo da boca de gente idosa e, pasmem, da
boca de gente jovem.
Não
é de se espantar que muita gente ingenuamente ainda acredite que nos anos de
chumbo nada aconteceu de horrível. Na época do Terceiro Reich, mesmo quem
morava em torno de Treblinka, por exemplo, poloneses na maioria, não sabia
direito o que se passava por lá. Podia imaginar, é claro, mas não tinha certeza
das atrocidades que aconteciam nos campos.
No
dia 29 de janeiro de 2010, a “Isto É Independente” publicou uma matéria sobre o
senhor Carlos Alexandre Azevedo, que foi preso e torturado pelos militares quando era bebê, que cresceu
agressivo e isolado e que aos 37 anos ainda sofria os efeitos dos anos de
chumbo: vivia recluso, sem trabalho nem amigos e sofria de fobia social.
O que aconteceu foi o seguinte: os pais de Carlos eram
militantes de esquerda e já estavam presos quando policiais invadiram a sua
casa, na zona sul de São Paulo, e o levaram para a sede do Departamento
Estadual de Ordem Política e Social (Deops). Era 15 de janeiro de 1974. Carlos
tinha 1 ano e 8 meses. Bem armados e
truculentos, os agentes da repressão o encontraram na companhia da babá. Chegaram dando ordens. Exigiram que os dois
permanecessem imóveis no sofá. Apenas Joana obedeceu. Como castigo pelo choro
persistente, Carlos Alexandre levou uma bofetada tão forte que acabou com os
lábios cortados e um dente quebrado. Foram mais de 15 horas de agonia. Presas
políticas disseram ao pai que o menino fora torturado no Deops, que tinha sido
vítima de choques elétricos e outras sevícias. Que foi jogado no chão e bateu a
cabeça. Os policiais falavam que,
naquela idade, ele já era doutrinado e perigoso. Eis a síntese da matéria.
A monstruosidade disso tudo é algo que embrulha o
estômago. E isso é apenas um capítulo, uma pequena parte dessa excrescência
chamada ditadura militar, que arruinou famílias inteiras, que desapareceu com
gente de bem, que transformou em pó pessoas de carne e osso.
Na semana passada a ótima jornalista Eliane
Brum informou pelo Twitter que Carlos Alexandre Azevedo tinha se suicidado.
O
suprassumo da crueldade teve seu desfecho.
Ah,
essa expressão não é minha, mas da mãe de Carlos Alexandre.