quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Quem sou eu?

Eu não sou nada. Ninguém é nada. Compare-se à grandeza do universo: nós somos um pífio grão de areia. Talvez nem isso.

Essa forma de pensar deveria entrar na cabeça de gente que não respeita o outro. E na nossa também. Pra deixarmos de ser besta e aceitar tudo que querem nos enfiar goela abaixo.
 Ninguém é melhor do que ninguém. E nem pior. Nada (cargo nenhum, posição social, dinheiro, etc.), nada pode justificar o tratamento desrespeitoso, descortês, deseducado, malcriado, ofensivo, humilhante.
Eu não sou nada. Ninguém é nada.
Sou o vice-treco do subtroço. E você também!
Esse finalzinho é bem bacana, mas não é meu. É do Mário Sérgio Cortella, que nos presenteou com uma palestra excepcional em Campinas na última semana.
Clique aqui http://www.youtube.com/watch?v=nDiBI2RKfr8 e veja um trecho de uma de suas palestras. Aviso: são só uns nove minutinhos. Mas vale a pena!
 

P.S. Publicarei Anita em 7 atos. Já estamos no terceiro. Sábado publico o quarto.

sábado, 25 de agosto de 2012

Anita (ato 3)


Você deve concordar comigo: foi uma bela atitude! Honestamente, eu não conheço um padre sequer, unzinho só, que deixe o conforto de sua sacristia para conhecer de perto os problemas dos outros. Que tome atitude. Que se envolva. Que trabalhe de forma concreta pela restauração de um ser humano.
Não. Não há padres assim. E olha que tenho muitos amigos no clero. E olha que os conheço de perto. Foi por essas e outras que larguei a batina. Mas isso não vem ao caso. Você quer ouvir a história de Anita. Não a minha.
Acontece que Joaquim, mesmo sendo um padre culto, engajado, diferente, mesmo sendo um padre disposto a abraçar o sacerdócio como doação, mesmo tendo todas as qualidades possíveis, mesmo sendo uma pessoa admirável, inteligente, mesmo sendo tudo isso, acabou se enrolando e fazendo uma grande bobagem, que consome seus dias até hoje.
Seu interesse por Anita extrapolou o simples desejo de fazer o bem e ajudar alguém que precisa. Ele começou a gostar de estar com ela, a gostar do seu cheiro, a gostar da sua voz, a gostar de seu sorriso e de seus trejeitos. Ele começou a desejá-la. E se isso aconteceu com Joaquim, da parte de Anita não foi diferente. Ela só pensava nele. Não como um padre, alguém que a ajudou quando todas as portas se fecharam. Mas como um homem.
Joaquim passava em sua casa todas as noites. Conversavam, comiam pizza, às vezes saíam. No começo, ainda que a intimidade incomum despertasse a curiosidade dos vizinhos, havia mesmo uma amizade. Ambos se sentiam bem na companhia um do outro. Dividiam problemas, festejavam pequenas vitórias.
Foi Anita quem primeiro notou o que estava acontecendo. Pensou em fugir. Sim, sim, num primeiro momento pensou em arrumar suas coisas e se mandar. Mudar de cidade. Desaparecer.
O primeiro beijo aconteceu depois que exageraram no vinho. Anita ficou sem reação. Após seus lábios se separarem, teve vergonha de encarar Joaquim. Ele a surpreendeu. Quis mais. Suas mãos avançaram por seu corpo. E se não fosse sua reação confusa de mandá-lo embora, terminariam a noite na cama.
O fato, meu amigo, é que depois do primeiro beijo, a intimidade só aumentou. Não conseguiam mais viver separados. Houve as promessas. As atitudes. Ele abandonou os estudos em São Paulo. Juntos começaram a fazer planos. Filhos. Família. Uma nova cidade para morar.
Foram dias felizes para Anita. Ela ainda não conhecia aquele sentimento que fazia bem e que as pessoas chamavam de amor. Dentro daquela casinha, longe dos olhares maldosos, eles viviam uma paixão intensa.
Não vou dizer que a situação em si não os incomodava. É claro que incomodava! Anita cobrava uma definição de Joaquim. Ele dizia que estava se preparando para a conversa com o bispo. Mas que tudo já estava decidido.
 

(continua na próxima semana)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A traição

Sente a formação de placas de água na região dos lábios.

Prefere voltar.

Ainda que a imagem não o deixe em paz.

 

sábado, 18 de agosto de 2012

Anita (ato 2)


Anita era uma largada no mundo. Na infância, fora abusada pelo pai, um alcoólatra pedófilo que morreu assassinado na prisão. A mãe a tinha como uma rival. Roubou meu homem!, roubou meu homem!, dizia à própria filha. Também alcoólatra, após a morte do marido, expulso-a de casa e foi ganhar a vida na prostituição. Anita então foi viver na rua. Conheceu gente da pesada. Cometeu pequenos delitos. Prostitui-se. Drogou-se.
Procurou Joaquim após matar um homem. Um de seus clientes se declarara apaixonado. Um psicopata, segundo afirmou a Joaquim. Passou a ameaçá-la quando percebeu sua indiferença. Um dia, na cama, feriu-a com um tapa na boca. Noutro, mostrou-lhe um cano de revólver dizendo que “ai se ela o deixasse”. Certa vez, após transarem, ele ficou alterado. Começou a feri-la com uma faca de cozinha. Transtornada, conseguiu arrancar-lhe a faca da mão e enfiá-la em seu pescoço.
Naquele dia Joaquim foi à faculdade, mas não teve condições de lecionar. Havia atendido Anita em confissão. Pronto. Não precisava fazer mais nada. Já tinha feito a sua parte. Pecados absolvidos. Podia dar tudo por encerrado. Talvez, nunca mais a visse.
Mas não. Aquele pedido de ajuda havia tocado seu coração. Ele se negava a agir como outros padres que não se envolviam profundamente com os problemas de seus fiéis. Que tratavam os problemas dos outros apenas na superfície. Definitivamente, não.
Procurou Anita por diversos dias. Encontrou-a sentada num banco no entorno da rodoviária velha. Aguardava clientes. Assustou-se quando o viu, mas nitidamente, também ficou feliz. Conversaram um pouco. Depois daquele dia as conversas se repetiram outras três vezes na igreja, até que Joaquim convenceu Anita a se internar numa casa de recuperação de drogados.
A clínica, uma fazenda bem cuidada, ficava em Guaratinguetá. Tinha ligações com a igreja católica (Joaquim conseguiu a vaga graças à amizade que tinha com alguns padres da cúpula daquela diocese). Tratava os dependentes sem uso de medicação. Com trabalhos, orações, vida comunitária.
Anita ficou lá por um ano. Foi um dos melhores períodos de sua vida. Adaptou-se às regras monásticas com extrema facilidade. Trabalhou na horta, participou das orações, dos exercícios de espiritualidade. Fez amigos, e todos os meses não via a hora de chegar o dia da visita, quando recebia Joaquim. Contava as novidades, o progresso na clínica. Eram tardes inteiras de conversas animadas sob as sombras das quaresmeiras.
Quando deixou a fazenda, era outra mulher. Joaquim arrumou-lhe uma casinha para morar. E um emprego de vendedora numa livraria de produtos católicos.

(continua na próxima semana)

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Mensalão: duas semanas de julgamento (pitacos)


1) segundo pesquisa Datafolha, apenas 1 em cada 10 brasileiros acredita que verá réus do mensalão na cadeia, o que mostra a total descrença da sociedade em relação ao processo; 2) por outro lado, há quem acredite que o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, vai ser extremamente duro com os mensaleiros, o que, se de fato acontecer, pode provocar a condenação dos réus; 3) o advogado do ex-deputado Roberto Jefferson, Luiz Corrêa Barbosa, roubou a cena no julgamento de terça-feira; bateu duro no ex-presidente Lula; segundo ele, Lula teria de ser um “pateta” ou um “deficiente” para não saber da existência do mensalão; 4) foi, sem dúvida, dentre todos os advogados que se manifestaram até agora, aquele que mais bateu no ex-presidente Lula; é claro que neste momento do processo nada vai acontecer com Lula, mesmo porque, o próprio Roberto Jefferson sempre o inocentou; 5) no entanto, é de se perguntar a razão dessa blindagem exagerada que colocaram no ex-presidente; ele pode fazer tudo, transgredir a lei (no período eleitoral foi o que ele mais fez para eleger Dilma), cercar-se de corruptos, desonestos, incompetentes, pode falar bobagens e cometer as piores gafes, que nada acontece; 6) tudo bem que sua popularidade alta o faz sair das gafes e das bobagens, sem qualquer arranhão; mas não poderia, num país sério, fazê-lo escapar também dos desvios legais, dos desmandos, dos atos de corrupção, ainda que indiretamente, por acobertar apaniguados corruptos; 7) chamo a isso de “submissão da autoridade constituída à popularidade de um ex-presidente”.

sábado, 11 de agosto de 2012

Anita (ato 1)


Padre Joaquim conheceu Anita na igreja, em confissão. Naquela época ele trabalhava na paróquia do Belém, em Taubaté. Era uma boa paróquia para se trabalhar, uma comunidade simples, gente atenciosa, hospitaleira, pastorais atuantes, e uma casa paroquial sólida e espaçosa, construída bem ao lado da igreja.
Sua rotina começava cedo com a missa das seis. Ainda pela manhã Joaquim lecionava no seminário diocesano, e pouco antes do almoço, na faculdade de teologia. Duas vezes por semana fazia mestrado em Ciências Sociais da Religião, em São Paulo. Frequentava bons restaurantes, estudava piano, jogava futebol com os seminaristas às terças-feiras, e revezava com padre Beto as missas das sete da noite.
Sempre foi um padre à frente de seu tempo. Adorava tecnologia, equipamentos eletrônicos, celular, ipod, notebook. No campo ideológico integrava a linha conhecida como progressista. Sempre defendeu uma maior participação da mulher na liturgia, o fim do celibato, posicionamentos que provocaram certa rejeição da ala mais conservadora da igreja católica, a ala dominante. Mesmo assim, e ele nunca soube o motivo, foi trabalhar em uma comunidade excelente: a do Belém.
Naquela manhã cinzenta e fria, Joaquim tomava algumas notas para as aulas, quando ouviu alguém bater à porta. A igreja, após a missa, permanecia fechada até a próxima celebração, que acontecia somente à noite. Foi com estranhamento, portanto, que ouviu as batidas. A jovem se identificou como Anita. Queria confessar. Parecia aflita.
Embora não fosse muito dado a calcular idades, pelo que pôde notar Anita não tinha mais que vinte. Pele branca. Olhos negros. Cabelos castanho-claros. Nariz arrebitado. Quis dispensá-la. Pensou seriamente em fazer isso. Que viesse outra hora. Não tinha tempo, já estava atrasado para a aula no seminário.
Mas não falou nada. Achou melhor confessá-la. Negar-lhe a absolvição que pedia seria no mínimo um sacrilégio. Confessou-a ali mesmo, num dos bancos da igreja, bem em frente ao altar. Desconheço o inteiro teor, naturalmente, e isso também não vem ao caso. O que importa dizer é que a confissão deixou Joaquim muito perturbado. Anita era uma prostituta. Consumia drogas. E acabara de matar um homem.

(continua na próxima semana)

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Mensalão: uma semana de julgamento (pitacos)

1) fala-se muito em ausência de prova documental. Mas espera aí: prova testemunhal também é prova, né? 2) ouvindo os advogados de defesa dos réus discursarem, a gente até fica com pena: eles são mesmos uns coitados; daqui a pouco vai ter gente defendendo a canonização de alguns deles; 3) tem uns que até confessam o famoso caixa 2; nossa, eles estão confessando que faziam caixa 2?, pode se espantar o mais desavisado; não dão ponto sem nó, meu amigo! Caixa dois já era, no máximo um deslize eleitoral; 4) o ministro Toffoli foi assessor pessoal do Dirceu; é ex-advogado do PT; sua namorada foi advogada do professor Luizinho e de Paulo Rocha, réus do mensalão; pelo menos sete réus do processo são ligados ao PT; com toda essa bagagem, ele pode julgar? O que ele está fazendo lá?  Ninguém vai falar nada? Não pode ser sério, meu Deus! 5) o pior de tudo: Lula não sabia de nada. 

sábado, 4 de agosto de 2012

À minha mãe


Fui escrever uma carta à minha mãe. Até pensei, não minto, nas facilidades da sociedade moderna, no e-mail, no face, mas nada não. Sou dos antigos. Quero mesmo o velho papel, um pouco amarelado, noto, afinal, anos de gaveta embaixo de tudo, mas capaz de dar conta.
Ligo o som e coloco um CD calmo para ajudar nas ideias. Vejo que na capa, e neste instante Bird Song começa a penetrar suavemente nos meus ouvidos, descansa um lago sereno de águas transparentes cercado de muito verde, tendo ao fundo, um grupo de montanhas quase escondido pelo nevoeiro. Belas imagens.
Somos muito parecidos, mãe!, é a primeira coisa que escrevo. Lembro você chorosa com meu sorriso, a hepatite que me sobrou, ou a escuridão daquele setembro, lembra, mãe, quando acordei na vó? Você se assustou.
Lembro você cheirosa me levando aos consultórios, ou chegando em casa com mil sacolas, o aniversário na arquibancada, lembra, mãe, quando sambei com os parabéns? Você adorou.
Lembro você triste me levando pra longe, eu sei entender, apenas andando, andando, andando; o quarto apertado, o pé de guerra e o pé de araçá, os sonhos largados na casa de um tio. Você chorou.
Lembro você teimosa querendo guiar, um vai e vem sem andar; o recomeço da luta por uma carta simples, a carta de alforria, tão difícil de ser assinada, a carta para sair do lugar.
Admirava seus quadros, seu talento, seus pincéis. Insistia para que você estudasse, que aprimorasse suas técnicas. Que estudar que nada!, você dizia. O que me guia é a inspiração.
Hoje estou sendo guiado pela minha, mãe. Embora distante, escrevo esse repertório de lembranças – laranjas doces de histórias que nunca esqueci, cabelos e mais cabelos no chão – para lhe dizer que reconheço tudo, tudo o que me fez. Reconheço e agradeço. Reconheço o seu amor por mim, do seu jeito, eu sei. Não se preocupe. Não queira fazer diferente, não queira ser quem você não é.
Mova-se com a liberdade que hoje é sua, voe se quiser! Como uma gaivota. Voe e viva a sua essência. E seja feliz. E não seja mais ninguém. Apenas você. No original.
E, se eu esquecer de ligar, me perdoe.
Somos muito parecidos, mãe! 

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

É hoje!

Começa hoje o julgamento do mensalão. Não se sabe quanto tempo vai durar, qual vai ser a posição do ministro Toffoli, que era assessor jurídico do PT antes de ser ministro, não se sabe como vão votar os 11 ministros da casa, não se sabe é nada.  

Eu, como cidadão, espero que o Supremo não ignore a opinião pública. Não produza simplesmente um julgamento frio, distante do que todo mundo já sabe. Não feche os olhos e os ouvidos, não venha a me dizer depois que o julgamento foi perfeito do ponto de vista técnico. Mas mostre a todos que o Brasil ainda tem jeito e que podemos ter esperanças.

Comunicado

O autor informa que suas crônicas estão sendo publicadas com exclusividade na página Crônica do Dia ( www.cronicadodia.com.br ). Convida...