Fui escrever uma carta à minha mãe. Até pensei,
não minto, nas facilidades da sociedade moderna, no e-mail, no face, mas nada não. Sou dos antigos.
Quero mesmo o velho papel, um pouco amarelado, noto, afinal, anos de gaveta
embaixo de tudo, mas capaz de dar conta.
Ligo o som e coloco um CD calmo para ajudar nas
ideias. Vejo que na capa, e neste instante Bird Song começa a penetrar
suavemente nos meus ouvidos, descansa um lago sereno de águas transparentes
cercado de muito verde, tendo ao fundo, um grupo de montanhas quase escondido
pelo nevoeiro. Belas imagens.
Somos muito parecidos, mãe!, é a primeira coisa
que escrevo. Lembro você chorosa com meu sorriso, a hepatite que me sobrou, ou
a escuridão daquele setembro, lembra, mãe, quando acordei na vó? Você se
assustou.
Lembro você cheirosa me levando aos consultórios,
ou chegando em casa com mil sacolas, o aniversário na arquibancada, lembra,
mãe, quando sambei com os parabéns? Você adorou.
Lembro você triste me levando pra longe, eu sei
entender, apenas andando, andando, andando; o quarto apertado, o pé de guerra e
o pé de araçá, os sonhos largados na casa de um tio. Você chorou.
Lembro você teimosa querendo guiar, um vai e vem
sem andar; o recomeço da luta por uma carta simples, a carta de alforria, tão
difícil de ser assinada, a carta para sair do lugar.
Admirava seus quadros, seu talento, seus pincéis.
Insistia para que você estudasse, que aprimorasse suas técnicas. Que estudar
que nada!, você dizia. O que me guia é a inspiração.
Hoje estou sendo guiado pela minha, mãe. Embora
distante, escrevo esse repertório de lembranças – laranjas doces de histórias
que nunca esqueci, cabelos e mais cabelos no chão – para lhe dizer que
reconheço tudo, tudo o que me fez. Reconheço e agradeço. Reconheço o seu amor
por mim, do seu jeito, eu sei. Não se preocupe. Não queira fazer diferente, não
queira ser quem você não é.
Mova-se com a liberdade que hoje é sua, voe se
quiser! Como uma gaivota. Voe e viva a sua essência. E seja feliz. E não seja
mais ninguém. Apenas você. No original.
E, se eu esquecer de ligar, me perdoe.
Somos muito parecidos, mãe!