sábado, 29 de junho de 2013

Eu sou feliz sendo prostituta

A notícia que leio é que o Ministério da Saúde tirou do ar uma ação voltada para as prostitutas, demitindo o autor da campanha, porque o ministro fez biquinho para a frase “Eu sou feliz sendo prostituta", acompanhada da foto de uma mulher. No novo formato, a frase é "Prostituta que se cuida usa sempre camisinha".
Estamos falando do trabalho mais antigo do mundo. Houve época em que as prostitutas foram consideradas semidivindades; em outras, a prostituição foi condenada; em outros momentos da história, foi explorada pelo próprio Estado.
Aproveitando o escorregão das autoridades, partilho os pensamentos do meu amigo Julio Cesar Prado Santos, que em seu trabalho de conclusão de curso (especialização em Direito do Trabalho), tratou em detalhes da profissão, que para muitos é cara, e que merece, mais do que outras, a proteção do Estado.
A verdade sem hipocrisia é que a prostituição sempre existiu, existe e vai continuar existindo aqui e na Cochinchina. Negar direitos fundamentais aos profissionais do sexo não excluirá essa atividade de nossa sociedade, e ao mesmo tempo, fere princípios dos mais importantes e que são fundamentos de nosso Estado, como cidadania e dignidade da pessoa humana.
Sem levar em conta — porque aí é outro departamento — as razões que levam alguém a preferir alugar o próprio corpo em vez de se dedicar a qualquer outro tipo de trabalho, o fato é que tais profissionais, apesar de não praticarem qualquer ilícito penal, não recebem do Poder Judiciário o tratamento que era de se esperar, no reconhecimento de seus direitos trabalhistas, sob o argumento de que há nulidade no contrato por ilicitude de objeto.
Ou seja: no dia a dia, fazem tudo o que um empregado comum faz; trabalham, têm uma jornada, remuneração, recebem ordens, são punidos, mas em razão da peculiaridade de sua atividade, não são considerados empregados nos moldes da CLT, e, se buscam socorro no Poder Judiciário, recebem uma declaração fria de que nada se pode fazer por eles.
Apesar disso, o serviço do trabalhador do sexo está previsto na Classificação Brasileira das Ocupações do Ministério do Trabalho desde 2002, mas isso é insuficiente. É preciso mais. É preciso que a sociedade deixe a hipocrisia de lado, engavete os discursos moralistas, e reconheça a atividade como regular e muito requisitada, estendendo aos seus prestadores direitos relacionados à saúde, previdência social, remuneração digna, liberdade.
Um dos grandes juristas brasileiros, juiz e professor da USP, dr. Guilherme Guimarães Feliciano, no artigo “Ofícios do Amor”, é enfático: “O que fazer? Conferir cidadania”. E termina: “Afinal, ainda que divisássemos na prostituição uma maldade intrínseca, marginalizar seria o mais tortuoso dos caminhos. E também o mais desumano. Parafraseando o sociólogo português Machado Pais, é chegada a hora de legar à prostituição um discurso racional, e já não unicamente moral”.
A liberdade, meu amigo, não tem preço. E cada um sabe o que fazer com sua vida. E com seu corpo. Já é hora da sociedade humana tratar dignamente os profissionais do sexo. Que algum deputado se mexa (projetos do Gabeira, do Eduardo Valverde, onde estão???). E que mais que um dia dedicado internacionalmente às prostitutas (02/06), haja respeito, dignidade, cidadania, resgate.

sábado, 22 de junho de 2013

Ditos populares

Tamanho não é documento, correto? Quantas vezes você já não ouviu esse ditado popular? Está na boca do povo, principalmente quando o assunto é a intimidade, quando estão falando da genitália masculina. O homem que não nasceu bem dotado se esconde atrás do dito popular. Como o povo sabe das coisas, afinal, a voz do povo é a voz de Deus, está tudo certo.
Agora, tem motorista de caminhão que desmente o ditado facinho, facinho. Para ele, tamanho é documento. Você já deve ter encontrado um desses por aí, afinal, dá mais que chuchu na cerca. A preferencial é sempre dele. Ele se permite estacionar em qualquer lugar. A velocidade? Ah, a dele, claro!
Se ele está com pressa, e você também, oba, sorte sua. Agora, se ele não está com pressa, se está procurando um lugar ou pedindo uma informação, amigo, esqueça. E lembre-se da regrinha: ele pode parar em qualquer lugar, ainda que esse lugar seja o meio da rua.
Acho que ele deve se sentir o máximo dentro da cabine. Aperta o acelerador com gosto, o motor ruge como um leão faminto. É ele quem manda no pedaço. Se você quiser cruzar o seu caminho, lembre-se, seu carro de plástico vai virar uma sanfona, periga você não ver mais as luzes desse mundo, e com o caminhão, que nem dele é, nada vai acontecer.
Adora dar farol. Se está com pressa e você vai devagar à sua frente, o farol tremeluzente é um aviso. Depois ele acelera, gruda na sua bunda e manda o recado: acelere também, seu mané, ou então saia da minha frente, se não, passo por cima. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Dia desses, no centro da cidade, acelerei na minha preferencial. Até vi a sua chegada, mas a preferencial era minha. Esqueci da regrinha básica. Mas o bom motorista sempre sabe o seu limite, ainda mais se estiver dirigindo numa velocidade moderada. No limite, quando eu já estava indo trafegar pelo canteiro, recuei, já soltando o verbo e me esquecendo do outro ditado popular que diz que cabrito bom não berra.
Engula o besteirol, meu amigo. É o melhor a fazer. E tenha paciência. Com paciência, o céu se ganha.
Sempre que termino as compras num supermercado, procuro fazer a coisa certa. Fecho o carro, pego o carrinho vazio e o devolvo serenamente para o seu lugar, de onde, pouco tempo antes, eu o havia tirado.
Talvez isso seja o mínimo de educação que se deva esperar de uma pessoa civilizada.  Mas também é um belo exercício de paciência. Não que eu espere que todos façam isso, afinal, são dezenas de carrinhos parados nas vagas de carro dos supermercados. Mas indico para quem quer ter mais paciência no trânsito. A gente precisa.

 

sábado, 15 de junho de 2013

Gripe

É, ela me pegou. Na verdade, me pega todos os anos, pelo menos uma vez. Não a espanhola, ou a asiática, ou a de Hong Kong. É a tupiniquim mesmo, a brasileiríssima.
Agora tem um negócio: nove entre dez que tomam a tal vacina, duas semanas depois estão gripados. “Não, ela não causa gripe”, diz com convicção a aplicadora. “De jeito nenhum!” Sei...
Minha média é uma por ano. Esse ano, pelo jeito, vai dar mais. É que essa que me pegou nada tem a ver com a vacina. Não foi a vacina, foi vacilo. Depois de minha caminhada/corrida na Santa Teresinha, lembrei-me de que precisava sacar um dinheiro. Entrei na conveniência e fui tomado por um vento gelado vindo do ar condicionado.
Agora cá estou com essa coisa horrorosa. Começou com uma dorzinha de garganta, depois a coriza, o entupimento nasal, os espirros, as dores nas juntas, na cabeça. Não é dengue. Espero. Ainda mais porque já mandei pra dentro os benditos remedinhos coloridinhos.
A vontade é ficar em casa, na cama, debaixo de um pesado edredom, fazendo é nada. Tá aí uma coisa para as autoridades pensarem: empregado gripado tinha que ficar em casa. Quer coisa mais horrorosa que o cara chegar no trabalho espirrando vírus em tudo quanto é lugar? Aquele nariz vermelho, que não aguenta mais lenço, aquele espirro estrondoso que assusta até a lagartixa no teto?  
Só afastam o doente quando a coisa tá feia. Não, não, gripou, licença nele! Ele que se recupere serenamente em casa, tomando bastante líquido, comendo uma frutinha, e o principal: sem contaminar ninguém.
No mês passado, esse herege tava tomando uma cerveja debaixo de um solzinho brando na Enseada, quando seu ouvido acusou os espirros toscos de um cidadão que não parava de espirrar. Não um espirro suave, de gente educada, mas aquele sonoro, grave, em que não se usa o nariz, mas a garganta. Gozado, eu nunca ouvi um desses na igreja, na silenciosa sala de espera de um médico, no cinema.
Mas o cara espirrava em lote. Cada lote continha mais ou menos vinte espirros. Foi uma sucessão de pelo menos quatro lotes. Que coisa medonha. As pessoas em volta olhavam torto para o doente, que balançava as mãos tentando se livrar da água verde que descia solta de suas narinas, e só não houve um branco total naquele pedaço de areia porque não tinha mais espaço para acomodar tanta gente.
E dá-lhe cervejinha goela abaixo. E dá-lhe camarão.
Malquistos pela sociedade, e com toda razão, os gripados deveriam ficar em casa. De licença. De preferência, num quarto fechado, com pouco contato com os seus. Sim, sim, porque pensando bem, eles também não têm obrigação nenhuma de ficar aguentando seus espirros e os virusinhos tremeluzindo à sua volta.
Se você está assim como eu, fique em casa, meu amigo! E boa convalescença.

sábado, 8 de junho de 2013

Tête-à-tête

Maluquice né não, mas os terráqueos das próximas gerações não vão saber mais o que é um tête-à-tête. Pobre deles. Estamos caminhando para o isolamento absoluto, para a vida em casulos.
No restaurante, na praça pública ou até mesmo numa festa de aniversário os pivetes não desgrudam de seus brinquedinhos eletrônicos. Muitas vezes estimulados pelos próprios pais, que querem sossego pra comer seus filés e beber suas cervejas, não?
Até os adultos não desgrudam deles. Eu mesmo já vi no restaurante a coitada da mulher escutando uma boa música, tentando puxar um papo, trazer o maridão de volta e o mané lá, com seu iPad, lendo o jornal, os e-mails, ou algo importantíssimo, tamanho o nível de desconcentração do cara para com as coisas à sua volta.
E o que é isso senão viver num casulo?
O virtual está enterrado de cabeça em nossas vidas. Um parabéns no face, um bate papo no skype. As pessoas estão se conhecendo em sala de bate-papos, trocando informações, fotos. Sexo virtual.
Por falar em sexo, não inventaram a tal da boneca Valentina? Os prostíbulos não estão tremendo nas bases? O solteirão vai comprar uma dessas, vai pegá-la, se é que você me entende, quantas vezes quiser, na hora que quiser, e se não quiser mais ela fica lá, guardadinha, quietinha, esperando a próxima. A que ponto chegamos...
Em compensação, a humanização dos animais está virando moda. Enquanto todo o moderno está afastando as pessoas das pessoas, por outro lado, é cada vez mais comum tratar um cachorro como alguém da família. Dormem dentro de casa, na cama, fazem ginástica, passeiam, escovam os dentes, até se casam. Será que é porque não falam? Não colocam o dedo nas nossas feridas?
Esses dias, lendo um livro do Nuno Cobra, ele falava desse mal que é a televisão, que acabou por afastar as pessoas umas das outras. Ele agora deve estar de cabelos em pé, se é que ainda os tem, com essa profusão de coisinhas eletrônicas que cada vez mais coisificam as pessoas, e isso desde a mais tenra idade.
As crianças vão crescendo sem saber conversar, sem saber expor pontos de vista, sem saber se posicionar. Ficam na frente da telinha do computador vendo imagens, conversando com os amigos na linguagem dos horrores, se transformando dia a dia em seres insociais.
Se bem que muitos de nós já viramos coisas há muito tempo. Fazemos tudo que todo mundo faz sem questionar. Vamos à igreja, não sentimos nada, não trazemos nada, mas estamos lá toda semana. Um compromisso com Deus. Posso estar sendo um robô, mas estou ali, e nem penso sobre isso, nem enxergo, nem tenho consciência.
Estou casado, infeliz, insatisfeito, mas uma nuvem densa cobre tudo. Assim vou até os meus dias finais, somente porque tais “valores” foram escritos na minha alma e eu nem percebi.
A vida é cheia de condicionamentos, meu amigo. O primeiro passo para fugir deles é descerrar a placa, digo, a venda.

                

sábado, 1 de junho de 2013

Queijos

A discussão à mesa hoje foi sobre queijos. Ultimamente, não ando me entendendo muito com eles. A maioria que chega aqui, nos embrulhos trazidos pela minha mulher, pecam pela falta de um elemento importante em qualquer alimento que se queira comer com dignidade: o sabor.
Tenho a sensação de estar mastigando uma massa insossa. Falta sal. Esse ingrediente combatido por muitos, mas que torna a bacalhoada de final de ano, ou a feijoada gorda de domingo, ou qualquer outro prato fino ou ralé, um manjar dos deuses.
O queijo da vez era um queijo branco, mineiro, comprado numa loja especializada em produtos das Minas Gerais. A textura era boa, macia, se apertasse um pouco com a faca no pão francês, passaria com louvores por um bom requeijão.
Minha mulher me disse que tinham três tipos de queijo branco e que pediu a vendedora que desse o mais salgadinho, já sabedora de minhas reclamações.
Não vou dizer que o queijo era ruim, de jeito nenhum. Melhor que muitos que já passaram por aqui. Mas o sabor era muito suave. Eu sentia o sal, mas depois de muito esforço e concentração, depois de atravessar uma cortina de sensações e sabores que se pareciam com coisa nenhuma, com o nada absoluto.
A ditadura da saúde está acabando com os queijos brancos. O vilão é o sódio. Estão dizendo que o queijo branco tem alta concentração de sódio, e que o brasileiro está consumindo mais sódio do que deveria. Eu pergunto: onde? Onde está essa maravilha dos deuses? Onde está esse bendito queijo salgado? Tragam já à minha mesa!
A verdade é que daqui a pouco eles vão abolir com o nosso sagrado café da manhã. Você já experimentou fazer uma pesquisinha sobre o assunto? Eu fiz. Queijo branco: possui uma concentração média de 505 mg de sódio por porção de 100 gramas; alta concentração de sódio no organismo significa infarto, derrame, hipertensão, obesidade etc. Pão francês: a presença de carboidratos refinados trazem risco para o sistema cardiovascular. Café: a longo prazo, pode causar gastrite, insônia e perda de qualidade do sono, refluxo gastroesofágico, alterações vocais e laríngeas, doenças cardíacas, como aumento do número de infartos e pressão arterial sistêmica...
No meu devaneio matinal, despejando minha verborragia ácida no ouvido de minha mulher, ela esperou serenamente uma pausa para me projetar, com sua voz suave, para um rio gelado de realidade: “você se esquece desse comprimidinho aí que você toma todo dia, Sergio Geia? Que eu saiba quem tem pressão alta deve evitar o sal!”.
As perspectivas são sombrias, meu caro. Aos poucos, eles conseguem o que querem. Não duvido que um dia eu ainda encontre a minha mesa de café da manhã elegantemente posta, como só minha mulher sabe fazer. Mas com chá, sem açúcar, e pão integral, puro. E uma maçã.
A verdade é que eles têm o seu valor. Estão fazendo o trabalho que lhes cabe, zelando pela saúde da raça. Querem acabar com os fumantes, com os obesos, com os amantes da boa mesa, com os cachaceiros de plantão. Querem acabar com tudo que é bom e gostoso. Querem edificar uma sociedade saudável. Fazem tudo o que podem em prol do bem estar e da saúde humana.
Tristes dias.

Comunicado

O autor informa que suas crônicas estão sendo publicadas com exclusividade na página Crônica do Dia ( www.cronicadodia.com.br ). Convida...