Eram essas as minhas referências ao
chegar à ótica. A atendente veio e, depois de me tranquilizar, despejando um
monte de informações técnicas, aconselhou-me a comprar a TAL lente. A boa. “Você
vai se acostumar rapidinho. Com esta lente aqui.” A TAL.
Sempre usei óculos com lentes simples,
ou monofocais. Era a primeira vez que me deparava com aquela situação: comprar
uma armação que sustentasse lentes multifocais. O que me gerou um grande
problema: as minhas preferidas, as armações pequenas, não eram adequadas para a
multifocalização da vida. Em tais lentes, distribuem-se três campos de visão: o
longe, o intermediário e o perto. A armação então tinha de ser um pouco maior. Depois,
foi escolher a marca da lente: optar por uma marca desconhecida, mas também boa
nas palavras da atendente – um boa meio com cara de mais ou menos — e mais
barata, ou optar por uma mais cara, ótima – um ótima com acordes de violinos — e
com adaptação e conforto em tempo recorde vindo como plus no pacote?
Gostaria honestamente de cozinhar esse tal de multifocal. Mas já estava
ficando ridículo, eu confesso. Minhas lentes eram para longe. E vivi muito bem
com elas, mesmo pra perto. Só que de uma hora pra outra, deu pra embaçar as
letrinhas do computador, dos livros, da bula de remédio, dos ingredientes dos
produtos, e, para lê-las, eu tinha que tirar os óculos. Nada mais bisonha a
cena: põe óculos, tira óculos, põe óculos, tira. Ave! Isso ofusca até a sua
própria identidade. Imagina: uma hora de óculos, outra, sem. Porra, o cara não
se decide? Quem é esse Sergio, afinal? Um homem de mil máscaras? Com certeza,
querido. Eu, você, e milhões de terráqueos espalhados pelo planeta, mas isso é muito
filosófico para uma simples crônica que somente quer tratar de lentes
multifocais.
A verdade é que cá estou, neste dia que
está apenas começando, um solzinho já entrando pela janela, o pessoal chegando
pro trabalho, e eu com esse negocinho na mão, maior do que eu gostaria, com
lentes mais grossas do que eu imaginava, pensando se ponho ou se não ponho.
Confesso que estou me sentindo estranho. Não sei explicar. Parece que estou
deixando pra trás uma época, e começando outra. Uma mudança de época. É isso.
Mais que um mundo em três dimensões,
parece que a vida ganha cores novas. Tudo mais limpo, mais nítido, mais claro. Não
porque o branco-neve está tomando os pelos dos meus braços. Esses pelinhos
aqui? Nada! Já fez isso no cabelo, na barba, no peito, nos pentelhos, eu nem ligo
mais. A sensação é muito diferente. Parece nascer uma espécie de autoria ainda um
tanto quanto rudimentar nas dimensões da vida. Em que perto e intermediário são
superados pelo distante. Ele traz um pacote de mercadorias que em tempos de
consumismo escravo, demandam vista boa, ainda que, à base de lentes corretivas.
Sem filosofismos, vai: deixa ver se
essa máquina copiadora respira mesmo.