sábado, 31 de agosto de 2013

Ritmos

Cada um tem o seu ritmo. O ritmo de cada um pode ser acelerado ou lento. Lento ou acelerado, não existe o ritmo certo, existe o ritmo de cada um. E cada qual conhece o seu ritmo e se dá bem com ele. E não adianta projetar o seu ritmo no outro. Ritmo não se projeta. E não se muda. O ansioso, o apressado, não vai diminuir a cadência. O lerdinho não vai acelerar. Não adianta. O ritmo está na essência de cada um. E com essência não se brinca.
Eu, por exemplo. Aprecio as pausas. Prefiro fragmentar o meu dia, as minhas tarefas, o meu trabalho. Isso me permite dedicar profundidade e esmero em cada uma de suas partes. Ando devagar, não porque já tive pressa, mas porque é da minha essência. Minha mulher, ao contrário, é ágil, gosta de resolver tudo com muita rapidez.
Toca a campainha. Estou no meu quarto sossegado lendo um livro. Levanto devagar, calço os meus chinelos, dou uma coçada no cocuruto e vou. Já escutei várias vezes ela me pedindo pra ir depressa. Digo: “meu bem, o interesse é de quem está batendo. Não meu. Ele que espere. Se está realmente interessado, vai esperar”. Geralmente eu chego e não tem mais ninguém. Com certeza, era da turma dos ansiosos.
Em outras vezes, quando a mesma campainha toca, minha mulher sai correndo pra atender. Quer resolver tudo. Quando a vejo correndo pela escada eu fico cansado.
Com o telefone é a mesma coisa. Quando toca, eu não saio voando para atender. Se der tempo, tudo bem; se não der, que liguem de novo. Minha mulher sempre consegue chegar a tempo de ouvir a moça do telemarketing oferecer um novo cartão de crédito.
Qual o melhor ritmo?, eu lhe pergunto. Lento ou acelerado? Hein? Hein? Você é daqueles que dirigem o dia com certa inspiração bovina, ou da turma dos rapidinhos, que corre pra não perder a hora? Você curte mais uma flanada no parque, olhando flores e arbustos, ou uma corridinha pra manter a forma? Lento ou acelerado? Hein? Diga lá.
Parafraseando meu querido mestre, o Braga, digo que se você responde que não existe um ritmo melhor, e que o ritmo está na essência de cada um, ah!, você é uma pessoa inteligente e acima de tudo, antenada com o propósito da crônica e o pensamento do cronista. Se você responde “nem tanto ao céu, nem tanto à terra”, você é uma pessoa que não se deixa enganar por sofismas, equilibrada, e bem resolvida em todos os aspectos de sua vida. Agora, se você responde que depende, aí meu amigo, eu só posso concluir que você é possuidor de uma inteligência rara, pra poucos, evoluída.
Você já imaginou se o Ayrton Senna fosse lento? Ou se o Neymar dominasse a bola e demorasse alguns minutos pra decidir o que fazer? Já imaginou o entregador de pizza andando a trinta por hora? E o podólogo com pressa, querendo dar um jeitinho rápido na sua unha encravada? O dentista, atrasado para a consulta anual com o urologista, querendo obturar seu dente em segundos?
Pois é... O ritmo está na essência, e a essência do ritmo deveria ditar as escolhas humanas.
Divagações... Divagações...
Acordo na padaria. Olho pro relógio.
“Moça, por favor, cadê os meus pães?!”

sábado, 24 de agosto de 2013

Pneumonia

Febre alta. Tosse. Dor no tórax. Nas costas. Estes sempre foram pra mim os sintomas clássicos da pneumonia. Quando o médico, com aquela calma budista de ser, deu uma olhada nas chapas e disse: “pneumonia. E não é pequena”, eu quase surtei.
Tinha tosse. Uma tossinha seca. Não tinha febre, muito menos febre alta. Não tinha dor. Não tinha nada! Mas tinha pneumonia. E não era pequena. “É caso de internação. Não dá para tratar em casa”. Ele me mostrou o raio-X. Um dos pulmões, pretinho. O outro, com aspecto esbranquiçado. “Tá vendo. É catarro”.
O Super-Homem entrou em ação. “Não é nada. Vamos tratar e pronto. No hospital há mais recursos, enfermeiros de todos os lados, médicos, equipamentos, remédios. Vai ser melhor.” Ela chorando e eu tentando convencer a mim e a ela: “minha mãe teve pneumonia. A Samantha teve. O Felipe. Vai dar tudo certo”. Uma rocha falante.
Lá no quarto, viajando entre a cidade e as serras, seu rostinho sempre me tomava, ainda que belíssimas fossem as paisagens parisienses. Quando a Jaqueline, a fisioterapeuta, começou, lembrei-me do Ronaldo na cabine de transmissão, chutando o vento quando a bola caía no pé do atacante. Pois eu respirava. Uma. Duas. Prendia a respiração. Levantava os braços. Ela me olhava e não entendia, afinal, a paciente era você!
Minhas caminhadas domingueiras nunca foram melhores, pode apostar. Caminhar por entre jardins e calangos a seu lado foi bacana e eu via seu sorriso e sua carinha corando de novo. E quando você desatava a rir com minha pergunta démodé sobre o tal Po, se era um dos Teletubbies? Quando eu iria imaginar que o Po era na verdade Pou, uma simples batata? Tá, um alienígena.
Posso lhe ser franco? Agora posso, já passou, né? E aproveito para desmitificar aquela história de pai herói, Super-Homem, que é pau pra toda obra. Que super-herói que nada! Esse que vos fala tem as mesmas fraquezas que qualquer ser humano. Viu, Johnny? É pra você também. Tem medo. Sofre. Erra. Chora. Dentro do carro. Debaixo do chuveiro.
Chora porque não existe controle absoluto sobre todas as coisas. A vida escorrega pelas nossas mãos como peixe se debatendo. Não há garantias de nada. E esse é o caminho a seguir. Assim é a vida. Não pensem que viver é um conto de fadas, e que tudo vai acontecer pra vocês facinho, facinho. Nada disso. Quando ela lhes der uma rasteira, não chorem apenas, mas aproveitem, pois ela estará lhes dando uma oportunidade de afiar a espada.
A vida é complicada, e vocês precisam saber disso. Cheia de tormentas, que a gente quer bem longe. Não quer nem pensar. Não adianta! Precisamos de ferramental. É isso. Guardem bem essa palavrinha: ferramental. Não adianta querer, pedir pra Deus, pra Alá, pra Buda, pra quem quer que seja, uma vida livre de percalços. Isso não existe. Eles não vão desaparecer da nossa frente. Estão em tudo quanto é lugar. Você pode estar aqui ou em Amsterdam. Busquem ferramental emocional para vivenciar seus problemas, o sofrimento, a dor, a doença, as perdas.
Foi essa rocha (pra você), despreparada, que teve de encarar seu probleminha. Cinco dias, filhota. E você de volta. Pareceu uma eternidade.

domingo, 18 de agosto de 2013

Uma engrenagem, amizade!

Conversa vai, conversa vem, e eu vi um World Trade Center de pires crescendo sobre a nossa mesa. A tarde ensolarada foi dando lugar a uma noite convidativa. Como resistir e tomar apenas um chopinho, se o bicho vinha trincando de gelado, descia macio e a espuma era bem mais que um creme?
Esse pessoal do Giovannetti é bom para tirar um chope. Honestamente: a maioria dos bares por onde passo trata muito mal o velho e bom chopinho. Tem lugar que até se esquece do colarinho. Como? Um chope sem colarinho? O interessante é que em todas as mesas cresce uma torre de pires que denuncia a quantidade de taças consumidas. Pensa que alguém se preocupa com isso? O importante é beber, comer os petiscos e se divertir. E se não quer tomar chope, tudo bem. Um casal de idosos simpático — os dois com os cabelos totalmente brancos — toma uma soda, come um pastel e vai embora feliz da vida. Os jovens preferem sorvete com suspiros e morango.
Eles possuem até um dicionário próprio para você pedir os aperitivos. Croquete de carne, por exemplo, no Giovannetti se chama “rolha”. Kibe frito é “milionário”. “Uma engrenagem, amizade!” E o garçom presenteia o cliente com uma bela de uma empada. “Bigode” é camarão empanado. “Envelope” é pastel de carne ou de queijo. E tem um tal de “boca de anjo”. Um corte criado por um antigo chapeiro deles que divide o sanduiche em oito pequenas partes iguais.
Eu não conhecia o Giovannetti Rosário, da General Osório. Como ficava próximo ao nosso hotel, deu pra beber à vontade; depois, foi só pagar a conta e voltar a pé, sem se preocupar com lei seca ou se o lugar era atendido por táxi ou não.
Notei que muitos chegavam sozinhos, pediam um chope e ficavam tranquilos na mesa lendo um jornal, ou mesmo um livro, ou ainda assistindo à televisão. Tinha várias mesas assim, e deu pra perceber que aquilo era muito comum. Muitos saíam do trabalho e passavam por lá, pra tomar um chopinho, comer qualquer coisa, depois ir pra casa.
Tem fulano que gosta de rotular sicrano que faz as coisas sozinho, como jantar num restaurante, beber num bar, ou mesmo pegar um cineminha. Qual o problema? As pessoas associam estar sozinho com solidão. Tem muita gente que está com companhia, mas no fundo está só. Tem muita gente que está só, mas está feliz da vida de estar só, porque acima de tudo, escolheu estar só. Quer prova maior de liberdade que essa?
Pois eu não estava só, nem com minha mulher (que saudade, mor! Você não imagina como me fez falta). Estávamos eu e o Jota, participando, naquela semana, de um curso sobre processo judicial eletrônico-PJE.
Era só um chopinho no final de uma segunda-feira quente. Mas foram muitos que até perdi a conta. E não foi só na segunda, não! Foi na terça, na quarta, na quinta... Uma multiplicação de torres gêmeas, mas deixa isso pra lá.
Ah!, o Giovannetti Rosário, da General Osório, fica em Campinas.

sábado, 10 de agosto de 2013

No supermercado

A manhã chuvosa me fez lembrar Eça: “o tempo, que andara pela serra tão alegre, num inalterado riso de luz rutilante, todo vestido de azul e ouro, (...) com uma daquelas mudanças que tornam o seu temperamento tão semelhante ao do homem, apareceu triste, carrancudo, todo embrulhado no seu manto cinzento, com uma tristeza tão pesada e contagiosa que a serra entristeceu”. E eu também, mas a vida continua.
Na frente do supermercado, após dar aquelas sacudidas providenciais no guarda-chuva, abri a listinha e percebi que era enorme, sendo que na metade direita havia uma sequência infindável de produtos de limpeza. Tira-limo. Bom, limo é aquela substância viscosa que surge em lugares úmidos. Deve funcionar melhor que um produto genérico. Lustra-móveis. Este é fácil e dispensa apresentações. Limpa-alumínio. Ah, fácil também. Para as panelas, para tirar a gordura, a fuligem, a mancha de leite queimado. Desengordurante. Hum... Limpador perfumado. Sei... Limpeza pesada. Tá bom...
Essa pluralidade de produtos de limpeza - comecei a divagar, enquanto ia tomando os corredores - é o que a sociedade humana chama de “especialização”. Uma criação que valoriza o profundo em vez do superficial. A especialização chegou aos produtos de limpeza.
Médicos. Você está com dor de garganta. Vai procurar quem? Quem? O otorrinolaringologista (que nome simpático). Coração? Pressão alta? Falta de ar? Quem? Quem? Cardiologista. Dor de cabeça. Enxaqueca. Tontura. Hum? Neurologista. É a especialização. Um médico especializado para cada tipo de problema.
Pastas de dente. Uma é boa para as gengivas mais sensíveis. Outra clareia os dentes. Olha só, tem gente que paga os horrores para deixar os dentes branquinhos. Pois é, é só comprar uma simples pastinha, e começar a usá-la. Bem mais barato. E muito mais fácil. Você não precisa parar de tomar café, coca-cola, não dói. Tem pasta com sabor, e tem aquelas genéricas, que servem pra tudo, ou não servem pra nada, ou simplesmente servem para uma boa higiene bucal.
Produtos para os cabelos. Tem shampoo que é bom para cabelos normais, oleosos, quebradiços (fico pensando: o que são cabelos normais?). Tem shampoo que é bom para prevenir a caspa. Tem shampoo que combate a queda de cabelos. Ah, e tem o condicionador. Tem também shampoo e condicionador juntos, o 2 em 1. Uma beleza. Tem também um que é shampoo, condicionador, anticaspa, antiqueda, e promete brilho e suavidade, olha que maravilha.
É isso, pensei, agora entendendo a superabundância de produtos de limpeza na minha lista. Século 21 e todas, todas as necessidades humanas são atendidas prontamente por uma indústria preocupada, não com os próprios lucros, imagina, mas com a cor dos meus dentes, o brilho de minhas panelas, ou de meus cabelos (para ser mais romântico), com o perfume de minha casa ou de meu vaso sanitário, com a mantença de meus pobres fios de cabelo, ou com a sensibilidade de minha gengiva.
Pena que já não vou estar aqui no dia que ela inventar o comprimido para a morte. O sujeito tá morrendo e alguém aparece com o bichinho na mão. Se bem que isso nunca vai acontecer. A indústria é preocupada comigo, mas não é burra. Ela sabe das coisas.
Onde será que fica o amaciante?

sábado, 3 de agosto de 2013

Antigo é ótimo!

Sei não, mas acho que aos pouquinhos, sem mesmo perceber, eu tô entrando pro time. Não me lembro exatamente do que falávamos, mas me lembro muito bem do desfecho. A mulher do meu amigo disse que ele era antigo. Ele riu que só vendo, e retrucou que antigo era ótimo!
Pois é, amigo Ronald! Acho que estou entrando pro time.
Lembro que na juventude eu adorava um lanchinho. Tinha hambúrguer, ovo, bacon, presunto, calabresa, catupiry, uma beleza. Comia tudo e lambia o saquinho (aquele molho que juntava catchup, mostarda e vinagrete), esvaziava a latinha de coca-cola e ia dormir. Fiz isso muitas vezes. Eu tinha até conta no hamburgueiro do bairro.
Hoje em dia, raramente como um desses. Prefiro as saladinhas, os grelhados... Mas, quando como, não preciso de dez minutos para diagnosticar que alguma coisa vai mal, que preciso de um antiácido urgente.
Tem outra coisa que a minha mulher pega no meu pé: dormir com a janela aberta. Quando tá muito calor é uma delícia, mas eu noto, mesmo sem levantar da cama pra fechá-la, que de madrugada o quarto esfria. Por causa disso, ultimamente, antes de pegar no sono, eu já fecho a bendita. “O tal ventinho nas costas”, falo pra ela. “É perigoso. Eu sempre acordo com a garganta arranhando”. “Que coisa de velho!”, ela retruca.
Outro dia eu mesmo me senti o artilheiro desse time de gigantes. Saindo pra almoçar, notei que o céu estava cinzento. Não titubeei e levei meu guarda-chuva. O tempo é um ingrato. Não é que saindo do restaurante, o sol brilhava como nunca que chegava até a arder o cocuruto?! E o que fazer com aquela peça de museu de quase 1 metro? Pra piorar a situação, eu não tinha um guarda-chuvinha desses de pôr no bolso, mequetrefe, descartável. Era uma bela de uma peça, enorme, cara, preta como um corvo, que num estádio de futebol protege os dois da frente, os dois de trás e os dois do meio, herança de meu falecido pai.
Dia desses um colega de trabalho me disse que na escola ele era craque em fazer trabalhos com o Excel. Fiquei pensando, pensando, e me lembrei de que no meu tempo nem computador tinha. Quando precisava fazer trabalho de escola, eu ficava horas na biblioteca copiando o danado do livro na folha de papel almaço.
Agora, você chegar pra tomar café, e já encontrar as caixinhas coloridinhas de remédio bem ao lado de sua xícara, pra não esquecer, visto que sua memória não é mais a mesma, aí não tem jeito.
Você se lembra de sua agenda médica para o ano. Você lembra que ano passado deu cano na maioria de seus amigos. Sim, porque o médico já se torna amigo do peito, de tanto contato que você passa a ter com ele. Lembra-se do cardiologista, do oftalmologista, do dentista, do urologista, e, seguindo os conselhos da sua mulher, do endocrinologista e do nutricionista. Ah!, e a consulta com a terapeuta floral...
Enfim, meus amigos, um minuto de reflexão basta: entrei pro time. E com muito orgulho!!!
Mas bermuda com camisa social? Pelamordedeus, isso também não!!!

Comunicado

O autor informa que suas crônicas estão sendo publicadas com exclusividade na página Crônica do Dia ( www.cronicadodia.com.br ). Convida...