Larguei o tumulto ‒‒ não queria saber de hospital ‒‒, e segui resoluto em busca do meu
pastel. Parei apenas por um minuto na tentativa de encontrar aqueles dois
rapazes gentis que me ajudaram ‒‒
fazia questão de dar-lhes um pequeno agrado, mas
eles sumiram no meio da multidão.
Enfim, no balcão. Ao pastel, meus caros! Ao pastel! Uma beleza.
Não há nada melhor que um pastel de feira. Massa branquinha e leve, carne com
tempero que lembra o tempero da vó, mas isso eu já disse e não vou voltar em
colóquios. Aproveitei também pra tomar uma bela de uma laranjada gelada. Pança
cheia, alma lavada. Gozei o pensamento de retornar feliz para o aconchego do
lar, para o banho quente, para os jornais. No entanto, fui surpreendido por um
novo incidente.
Pus a mão com gosto nas nádegas macilentas,
com a mesma volúpia com que se agarram as nádegas do desejo, e não encontrei a
quietinha, a intocável, aquela que guardava a minha identificação como homem e
cidadão, e os meus reais, parcos reais, é verdade, mas que eram meus e que
ganhei na honestidade. A gentileza tem seu preço. Os gentis rapazes se
aproveitaram do meu descuido, e me surrupiaram a carteira. Quem vai dizer que
não foram os mesmos que surrupiaram a carteira daquela agitada mulher. E logo
eu que não costumo me enganar com as pessoas, que vi uma gentileza fina
naqueles dois. Depois de anos e anos, eu me enganava.
Não fui pro hospital descascar a
cebola, nem pro aconchego do lar mergulhar-me num banho quente. Encerrei minha
manhã num triste e escuro balcão de delegacia, onde não tinha pastel nem
laranjada, mas um sujeito sossegado, que levava horas para datilografar uma simples
folha de papel.
Dois dias depois recebi em casa a carteira com todos os documentos, e concluí que não tinha me enganado tanto assim. Eles eram gentis, embora batedores de carteira. Meu pobre dinheirinho voou, virou fumaça, mas os documentos de cidadão estavam lá, intactos, e arrumados. Delicadamente arrumados.
Mas deixa isso pra lá. Voltemos ao impasse, que é o que interessa. Como disse no início destas linhas, lá na parte 1, sou bastante chato nesse assunto de crônica, e se é pra decidir, então tá, eu decido: fico com meu anjinho de candura. Só escrevo o que vejo, o que observo, o que sinto, o que esses olhos que um dia a terra haverá de comer, testemunham ‒‒ o diabinho me pisca o olho. Assim sendo e, com todo respeito a você, meu amável leitor, digo que por enquanto, não há assunto para crônica sobre o mercado. E tenho dito! — o diabinho me dá outra piscadela, e um sorriso maroto.