Ainda que sejam poucos, e mantidos
obstinadamente, muitos por conta de um tal de Finasterida (e sem efeitos
colaterais, entende?!), a passada da tesoura me renova a alma.
Dá vontade de sair, de comer fora, de
pegar um cineminha, uma visita à livraria ou saborear o nhoque à gorgonzola lá
no Tio Giuseppe, em Bentão do Sapucaí.
Se isso é femininamente viral e pega,
eu não sei; só sei que hoje é sábado, está chovendo, e eu vou cortar a franja,
ah, vou!
Enquanto espero a minha vez, vejo o
cabelo da mocinha sendo comido por uma boca de jacaré. A cada mordida, uma
fumaça, uma densa fumaça. Deus me livre... Deve ser a tal da chapinha, penso. O
cabelo vai sendo progressivamente chapado. Bêbado, pode ser levado para
qualquer lugar. E pensar que as pessoas pagam por isso. Só pra chegar ao tal
padrão de beleza definido pela sociedade. Sei não...
Ao mesmo tempo em que uma engenhoquinha
barulhenta começa a trabalhar na minha cabeça, escuto uma senhora reclamar dos
protestos das ruas: “é muita anarquia. Você viu naquela cidade — acho que foi
Belo Horizonte —, a bagunça que eles fizeram?” A outra se mostra inconformada:
“isso é coisa de desocupado!”.
De fato, os protestos tomam conta das
cidades. O povo nas ruas se rebela, e o mais importante: descobre a força que
tem.
“Mas vocês viram o que os protestos
alcançaram?”
Elas me olham assustadas.
“Olha quanta coisa aconteceu depois que
esses jovens saíram às ruas! É de tirar o chapéu. Os políticos estão vendo que
não dá mais pra fazer o que bem entendem.”
Elas não respondem. Fazem uma cara de
não sei. Uma delas insiste em dizer que é só anarquia. Mas diz pra amiga, não
pra mim. Mania que eu tenho de me meter na conversa dos outros...
Depois do corte, a cabeleireira prepara
os apetrechos. Olho no espelho e vejo a cabeça nova, quase toda branca; uma
cabeça, digamos, invernal. Não dos trópicos, é claro, mas dos Alpes. Ou de
Amsterdam. Que nome bonito: Amsterdam.
Penso na mocinha, no padrão de beleza definido
pela sociedade e, juro, juro mesmo, que foi por um triz. Só não desisti depois que
fui tomado pela imagem da mulher loira e chique, toda modernosa e jovial, com
seu avô setentão a tiracolo.
“Vamos lá, então?”, me indaga a
cabeleireira.
Eu acordo.
“Deus salve a química!”
“Hã?”
“Vamos... he, he,
he! Vamos…”
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