sábado, 20 de julho de 2013

Nos braços de Ariella

Meus amigos Jota Castilho, Edgard Fernando Cicino de Lara e Guilherme Bitencourt estão até agora tentando compreender o que aconteceu. O veneno era poderoso, e se todos ainda conseguem ver a luz do dia, se eu estou aqui, vivinho, em condições de escrever, foi porque recebemos um atendimento rápido e eficiente.
Lembro-me que me acordei com uma sequência de tapinhas na face, pensando estar mergulhado num sonho oriental. O ataque foi tão cruel, que a sinuosidade da serpente azul até agora provoca sustos e calafrios naqueles que queriam apenas se divertir.
Tudo começou muito estranho, com uma nuvem branca cobrindo a cidade. Questionávamos se seria um nevoeiro denso - incomum num final de tarde -, ou apenas poluição, tão fácil de enxergar num céu de São Paulo em tempos invernais.
Estávamos sentados no chão, até então distraídos, conversando, bebendo, contando piadas de sacanagem, tratando a noite como mais uma em centenas de dezenas de noites, em que saborear o aconchego das amizades, do riso leve, da vida descompromissada, é o que existe de mais importante.
O primeiro e sorrateiro ataque aconteceu por volta das onze, e nós nem nos demos conta. Depois, num papo de bar, regado a vinhos e chás, quando os efeitos do veneno começavam a nos deixar sonolentos, percebemos que todos tinham, na medial da coxa esquerda, uma ferida aberta.
Naquele momento, concluímos o óbvio: tínhamos sido atacados, e aí, meu amigo, já era tarde. O efeito não demorou, e mesmo embaralhada por densa camada de névoa, ou poluição, sei lá, a consciência percebeu a armadilha: havíamos sido fisgados, sem dó nem piedade, pela beleza exótica de Ariella.
Ainda que pudéssemos imaginar o tamanho dos riscos que corríamos, a beleza da serpente, que ondulava pelo assoalho, era tão envolvente, que simplesmente fez com que perdêssemos a noção do perigo. Ali não era a cobra venenosa que rastejava, e que vibrava e que impactava; ali era simplesmente Ariella, com seus inimagináveis tons de azul, que numa hora eram de um brilho visceral, noutra, de um opaco gritante (que fazia destacar o couro branco). Mesmo porque, quem imaginaria que nas imediações da Vila Mariana, fosse existir beleza tão exótica quanto perigosa?
Acho que fomos robotizados. A partir daquele momento não estavam mais ali o Jota, o Fernando, o Gui, o Sergio. Viramos zumbis. Estávamos a serviço da ardilosa serpente, que com seus jeitos e trejeitos, movimentos que iam e vinham, que subiam e desciam, nos encantava de tal forma que enxergávamos - ah, e todos enxergaram - um sorriso caliente nos dizendo o que fazer (como se cobra sorrisse!).
A sedução foi tamanha, meu amigo, que repetimos a dose. Sem titubear, entregamos a medial da coxa direita para ela. Ali, não importava mais nada. Só queríamos saber de nos jogar nos braços flutuantes de Ariella.
Mas sobrevivemos.

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