sábado, 21 de junho de 2014

Crônica sisuda

Uma polêmica está abalando o sistema público de transporte sobre trilhos na França. A notícia diz respeito à compra de 2.000 novos trens que serão utilizados na melhoria do sistema de transporte de passageiros daquele país. O problema é que os trens comprados não cabem no espaço de 1.300 estações regionais por onde eles deverão circular. Um pequeno erro de cálculo, digamos.
 
Volto ao início da notícia para ver se é isso mesmo, se a jornalista não comeu bola citando o país errado. Um deslize pequeno, quem sabe... Mas vejo que não; o deslize, dos grandes, quem cometeu mesmo foram os franceses. Por causa desse erro de cálculo, o governo terá de mandar reformar todas as estações, num custo preliminar estimado em 150 milhões. “Descobrimos o problema um pouco tarde”, disse o porta-voz do setor ferroviário. “Estou consternada por esta decisão tomada por dirigentes que estão fechados em seus escritórios e não têm contato com a realidade”, afirmou Ségolène Royal, Ministra de Ecologia e Transportes. “É um desperdício escandaloso de dinheiro dos contribuintes”, disse Hean-Claude Delarue, membro de uma ONG que defende a melhoria do sistema de transportes públicos.
 
Após saborear essa bizarrice francesa, amável leitor, que tem gosto de croissant, imaginava rabiscar algo parecido, afinal, tais deslizes não são privilégios dos europeus.  Quem sabe falar do trator sepultado no Canindé, lembra?, ou do teatro joseense cujo alicerce fora erigido de trás pra frente. Tenho por mim que a crônica sairia mais leve; com certeza, mais graciosa. Mas senti, pelo caminho, a invasão de uma inspiração quase burocrática a se apossar de tudo, da mente, dos dedos, da verve; quando vi, a tela já estava repleta deles, muito embora seja eu um amante inveterado das letras, e o inimigo número 1 desses filhotes de bingo: os números.
 
Lembrei-me da Copa do Mundo no Brasil, que está a rolar neste junho de 2014, dos milhões gastos na construção e reforma de estádios. Em maio de 2009, a previsão com o gasto todo era de R$ 3,7 bilhões. Uma bela soma, não? Mais ou menos assim: Mané Garrincha, 520 milhões; Arena da Amazônia, 500 milhões; Arena Pernambuco, 500 milhões; Maracanã, 430 milhões; Fonte Nova, 400 milhões; Castelão, 300 milhões; Arena das Dunas, 300 milhões, dentre outros.
 
Foi isso que vi à época e que meus arquivos digitais tão bem guardaram. Um gasto excessivo para um país de múltiplas carências. Mas se gastou muito mais. As notícias de hoje, que pipocam em qualquer jornal e na web chegam a assustar. No Mané Garrincha, por exemplo, gastou-se 1,43 bilhão; na Arena da Amazônia, 605 milhões; na Arena Pernambuco, 529,5 milhões; no Maracanã, 1,19 bilhão; na Fonte Nova, 591,7 milhões; no Castelão, 623 milhões; na Arena das Dunas, 350 milhões. Encontraram ainda 855 milhões para colocar no novo estádio do Corinthians.
 
Está certo que esse dinheirão todo não dá nem pro começo quando o assunto é educação e saúde. Mas gastaram mal. Vejo estádios magníficos em Estados sem futebol. Vejo a Copa em todo o Brasil, quando o mais correto seria concentrar os jogos em dois ou três Estados.
 
 Ah, meus amigos, não falei? Que crônica mais sisuda. Antes tratar de assuntos mais amenos, como o show desse monstro chamado Rafael Nadal em Roland Garros ou a minha dama-da-noite, que está uma lindeza só, e que bastou mudar de lugar pra me presentear com um perfume excepcional.
 

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