Comentava, sempre que estávamos por lá,
que aquele perfume era o bicho. Depois de um tempo, minha mulher, solícita e
atenciosa como sempre, me presenteou com uma, depositada num grande vaso que
fica na frente da minha casa.
Ganhei o presente e a responsabilidade pelo
cuidado de tão fina flor, é lógico. Toda manhã, lá estou eu com uma garrafinha borrifando
água para que ela cresça saudável, graciosa e elegante, e, acima de tudo, perfumada,
muito perfumada.
É uma tarefa que não me desagrada, pode
apostar. Antes da agitação do começo do dia, do pão e leite que tenho de buscar
na padaria, do lixo que tenho de pôr na rua, do café que tenho de preparar, das
crianças que precisam ser levadas para a escola, da leitura rápida do jornal, enfim,
antes de toda a correria mundana das primeiras horas, encontrar um tempinho pra
jogar água numa plantinha é uma tarefa gloriosa, afinal, trata-se de um ser
vivo que depende de mim e, sem qualquer interesse subliminar, é sempre bom
plantar uma sementinha do bem para garantir o futuro da humanidade,
especialmente quando esse futuro seja o meu mesmo, é claro.
Minha mulher até que me dá uma mão,
porque aguar eu até faço com grande zelo, mas podar, adubar, borrifar um
remedinho receitado pelo dr. jardineiro, arrancar as bolinhas que, segundo ela,
são bichos e matam a planta, aí... bem, deixa pra lá...
Muitas vezes cheguei em casa e fui
recebido com o esplendor daquele perfume, o que, obviamente, compensa as horas
gastas na tarefa da borrifação. Mas, na maior parte das vezes, nada. Não sei se
é o tamanho, o lugar, o sol, se é o excesso de água, ou a falta, não sei. O que
sei é que a danada não vinga.
A dama é caprichosa. Quando periga espraiar
um cheirinho gostoso, no dia seguinte eu encontro no seu entorno um monte de cachos
espalhados pelo chão, derrubados pela brisa, imagino eu, que levou para longe as
inflorescências perfumadas.
Minha mulher, dia desses, inconformada,
mas muito decidida, tratou de dar um jeito na belicosa. Arrancou-lhe galhos
secos, folhas amarelecidas, bicho e tudo mais. Agora vai, pensei. Mas, quando
vi, tinha sobrado apenas um toco, um pobre toco que chegava até a dar dó. “Faça
o favor de aguar, né? Sem água ela não cresce”, disse-me determinada. “Pode
deixar, que de sede ela não morre”, respondi, sem muita convicção.
Como anda chovendo muito, divido essa
nobre tarefa com Deus Nosso Senhor. Sinceramente, não sabia que era tão difícil
assim fazer vingar uma simples dama.
Deveria saber, afinal, as damas são
sempre caprichosas, e eu nunca tive muito jeito com elas.
Lembro-me de uma namorada que mais parecia uma
bomba-relógio. Um dia, disse isso a ela. Mas por quê?, ela ingenuamente quis
saber. Ora, ora... Qualquer verbozinho inocente, qualquer frasezinha mal
colocada, qualquer comentariozinho infeliz, você sabe, né? Nunca soube, eu
acho, mas, naquele dia eu soube; ah, eu vi de perto o que os japoneses chamam de explosão nuclear.
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