Na frente do supermercado, após dar
aquelas sacudidas providenciais no guarda-chuva, abri a listinha e percebi que era
enorme, sendo que na metade direita havia uma sequência infindável de produtos
de limpeza. Tira-limo. Bom, limo é aquela substância viscosa que surge em
lugares úmidos. Deve funcionar melhor que um produto genérico. Lustra-móveis.
Este é fácil e dispensa apresentações. Limpa-alumínio. Ah, fácil também. Para
as panelas, para tirar a gordura, a fuligem, a mancha de leite queimado. Desengordurante.
Hum... Limpador perfumado. Sei... Limpeza pesada. Tá bom...
Essa pluralidade de produtos de limpeza
- comecei a divagar, enquanto ia tomando os corredores - é o que a sociedade
humana chama de “especialização”. Uma criação que valoriza o profundo em vez do
superficial. A especialização chegou aos produtos de limpeza.
Médicos. Você está com dor de garganta.
Vai procurar quem? Quem? O otorrinolaringologista (que nome simpático).
Coração? Pressão alta? Falta de ar? Quem? Quem? Cardiologista. Dor de cabeça.
Enxaqueca. Tontura. Hum? Neurologista. É a especialização. Um médico
especializado para cada tipo de problema.
Pastas de dente. Uma é boa para as
gengivas mais sensíveis. Outra clareia os dentes. Olha só, tem gente que paga
os horrores para deixar os dentes branquinhos. Pois é, é só comprar uma simples
pastinha, e começar a usá-la. Bem mais barato. E muito mais fácil. Você não
precisa parar de tomar café, coca-cola, não dói. Tem pasta com sabor, e tem
aquelas genéricas, que servem pra tudo, ou não servem pra nada, ou simplesmente
servem para uma boa higiene bucal.
Produtos para os cabelos. Tem shampoo
que é bom para cabelos normais, oleosos, quebradiços (fico pensando: o que são
cabelos normais?). Tem shampoo que é bom para prevenir a caspa. Tem shampoo que
combate a queda de cabelos. Ah, e tem o condicionador. Tem também shampoo e
condicionador juntos, o 2 em 1. Uma beleza. Tem também um que é shampoo,
condicionador, anticaspa, antiqueda, e promete brilho e suavidade, olha que
maravilha.
É isso, pensei, agora entendendo a superabundância
de produtos de limpeza na minha lista. Século 21 e todas, todas as necessidades
humanas são atendidas prontamente por uma indústria preocupada, não com os
próprios lucros, imagina, mas com a cor dos meus dentes, o brilho de minhas
panelas, ou de meus cabelos (para ser mais romântico), com o perfume de minha
casa ou de meu vaso sanitário, com a mantença de meus pobres fios de cabelo, ou
com a sensibilidade de minha gengiva.
Pena que já não vou estar aqui no dia
que ela inventar o comprimido para a morte. O sujeito tá morrendo e alguém aparece
com o bichinho na mão. Se bem que isso nunca vai acontecer. A indústria é
preocupada comigo, mas não é burra. Ela sabe das coisas.
Onde será que fica o amaciante?
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