“Vovô, vamos apostar corrida?”
“He, he, he! Corrida? O vovô tá velho
pra correr, filhinha! Vamos fazer o seguinte: o vovô senta naquele banco, e
você, se quiser, corre, eu fico olhando.”
Ela, solidária, prefere a companhia do vovô.
Juntos, sentam num banquinho assombreado.
“Vovô, conta uma história?”
“Uma história? Ah, história o vovô
consegue contar! Deixa ver...”
Ele fica pensativo por alguns
instantes, parece repassar mentalmente a história toda antes de começar. Organiza
começo, meio e fim, talvez. E algum sentido; afinal, a netinha é esperta. Faz
um carinho nela. Começa:
“Era uma vez uma menina chamada Ana. Ana
gostava muito dos seus livros. Quando deitava para ler, experimentava uma
sensação diferente, que ela não sabia dizer o que era. Ela só sabia que aquela
sensação era muito gostosa e que ela queria que não acabasse nunca. Um belo
dia, Ana estava lendo um de seus livros preferidos, que contava a história de
um bruxinho chamado Harry”.
“É o Harry
Potter, vovô?”
“Potter? Acho que sim! Se não me falha a memória,
era Potter o sobrenome dele sim. Harry Potter! Mas então, Ana estava lendo no
seu quarto, como fazia todos os dias, quando ouviu um barulho vindo de fora de
sua casa. De repente, pela janela do quarto de sua mãe ela avistou um bruxinho
de óculos, que veio lhe trazer um presente. Ele disse: ‘Olá, Ana! Trouxe pra
você este livro de presente. Ele é simples, pequeno, são poucas páginas, mas
ele vai te oferecer um tesouro, que muita gente procura, mas poucos encontram.
Sempre que você se sentir tristinha, infeliz por algum motivo, abra este livro.’
E foi embora. A primeira vez que Ana se sentiu tristinha por não ter conseguido
tirar uma nota boa na escola, ela abriu o livro. E o que foi que ela viu? Um
desenho. Era uma praça bonita, um dia de sol, passarinhos na copa das árvores,
ela, seu pai, sua mãe e o irmãozinho brincando de corrida. E Ana se sentiu
feliz”.
Acho que foi mais ou menos assim. Admito
que fiquei bisbilhotando conversa alheia. Meu alongamento demorou mais do que o
costume, mas aquela cena me envolveu de forma tão profunda, que eu tinha de
esperar a história terminar. A menina ficou encantada. Se engancharam novamente
e saíram conversando, como um casal amoroso, de amor maduro, sereno. Um momento
de felicidade, pensei. Simples, como a representação do desenho da historinha
do vovô. Terminei minha corrida, meu alongamento e fui embora mais leve,
deixando que o vento desmanchasse o meu cabelo, o sol esquentasse o meu rosto,
a música do rádio tomasse o meu espírito.
P.S.: excepcionalmente postado nesta sexta-feira
P.S.: excepcionalmente postado nesta sexta-feira
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