Mas,
não era o caso. Ao contrário. Tenho de admitir que se dependesse apenas de
minha singela opinião, eu ficaria com ele por mais dezoito anos, ou até o fim
da vida, quem sabe? Nos damos bem, mesmo juntos há tanto tempo. Eu já o conheço
o suficiente para entender que a química que deve haver entre nós é tão
importante quanto a química do amor, da paixão, do sexo. E a química no caso é
perfeita. Por que trocar então, o nobre leitor deve estar se perguntando. Ora,
meu amigo. Na vida, em todas as suas dimensões, precisamos aprender a ter
flexibilidade mental, e quem divide leito e vida precisa praticar o exercício
da audição e da reflexão de vez em quando, senão, ficam os travesseiros e vão-se
os amores.
Na loja, a tentativa consistia em achar
um substituto à altura. Percebi que a tarefa não seria fácil. Ainda que o
travesseiro fosse confortável, aconchegante, macio, ele era virgem, e isso era um
grande problema. Como todo travesseiro virgem, a impressão que dava era a mesma
que você tem quando come uma fruta verde. Faltava vida naqueles mauricinhos, um
calorzinho, vai. “A gente entende”, dizia-me a vendedora, com aquele jeito
amável de ser. “Não se trata de uma simples troca de um objeto por outro”. Pensei:
“objeto? Travesseiro? O meu? Quando? Onde?”
Meu travesseiro tinha história, e por
mais velho que fosse, ele guardava em sua essência dezoito anos de suores,
babas, cabelos e o mais fino e doloroso repertório de pensamentos, que me
fizeram marchar por rotas desconhecidas, que me fizeram tomar decisões, que me
fizeram ser o que sou, embora às vezes tenha a impressão que não sou o que
pareço ser. Isso dava a ele um valor maior, muito maior que qualquer travesseiro
de penas de ganso. Lembro-me das viagens, a trabalho ou a passeio. Graças a ele,
eu estava lá, hirto, firme, entusiasmado, no workshop ou nas areias da praia.
Me sustentou macio, aconchegante, nas vitórias esmeraldinas, como também me
aguentou sorumbático nas passagens de época, em que o Palestra quis dar uma
flanada por outros mares, respirar novos ares, arejar a mente. Recebeu lágrimas
quando meu velho partiu, equilibrou minha cabeça quando algumas máscaras caíram.
Cheguei em casa e pus os dois lado a
lado. Minha mulher parecia assustada com minha reação. Deve ter pensado:
endoidou de vez, mas não disse nada. Um, moderno, fresco, limpo, com formas
arrojadas, mas estranho ainda. Um mauricinho, isso sim. O outro, velhinho,
amarelo, caído. Lembrei-me de Dorian Gray. O peso dos anos tinha deixado meu
amigo deformado. Isso era nítido na comparação com o outro. Adeus, companheiro.
“Meu bem, espere duas semanas. Depois
você dá fim, tá!?”
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