Eu admito que nunca pensei nesse
negócio direito. Por esse ângulo, então? Cadáver? Imagina aí você, sentadão numa
churrascaria, mandando ver costela, picanha, alcatra, cupim, linguiça, coração,
coxa, sobrecoxa, um boi inteiro, vai. Um boi só, não! Boi, porco, galinha,
todos dilacerados pra você comer suas melhores partes, as mais macias, as mais
suculentas e saborosas. Que desmancha-prazer esse professor, não? Cadáveres?
Acordo de repente e começo prestar atenção na tevê. O professor teve diversas
recaídas. Pequenas recaídas. Grandes recaídas. Mas o que me chama a atenção é o
apelo que ele faz: “Esse negócio que a gente chama de carne é antes de tudo
sofrimento. Sofrimento de animais como nós. O que está sendo feito neste
planeta não deve continuar. A matança tem que parar”.
Penso no que li a respeito. Tá lá na
memória, mas perdi a senha, he, he, he! Isso é Chico, tá? Há quem compare a
matança desenfreada de animais ao holocausto. Elizabeth Costello usou essa
imagem num de seus seminários: “O crime do Terceiro Reich foi tratar as pessoas
como animais”. Issac Bashevis Singer fez um de seus personagens comparar o
comportamento humano em relação aos animais com o comportamento dos nazistas em
relação aos judeus. “Ele não diz que os crimes são igualmente maus, mas que
ambos são baseados no mesmo princípio, de que poder é direito, e que os
poderosos podem fazer o que quiserem com aqueles que estão em seu poder”
(citado por Peter Singer, pg.103, A vida dos animais, J.M.Coetzee). O próprio
Coetzee usou dessa técnica com a Costello.
Lembro-me daquele garotinho que se
recusava a comer polvo. Ele perguntava onde estava a cabeça do bicho; a mãe, em
vão, tentava explicar que o açougueiro tinha cortado, e que ali estavam as
perninhas pra ele comer. “Ele morreu?”. “Morreu”, dizia a mãe. “Por quê?”. “Pra
gente comer”. No seu purismo, livre dos condicionamentos humanos, ele retrucou
dizendo que “não gostava que eles morressem”; que os animais tinham que ficar
em pé.
Fico a imaginar o que alguém (claro,
uma imagem hipotética, a imaginação pode tudo), um purista, alguém de um outro
mundo, como o garotinho do vídeo, não maculado, não estragado pela civilização,
pela diversidade retórica justificando tudo, o que esse alienígena, ainda livre
das mais refinadas explicações filosóficas iria achar de tudo isso.
Longe de ser Deus, o professor quer mudar
as pessoas. Não quer mais saber dessa matança, de reunião em torno de
churrasqueiras e churrascarias. Ele pode até não ser Deus, mas já pode se
orgulhar de produzir criaturinhas. Não tão habilidosas como o homem, mas não
menos densas. Essa pulga aqui atrás da minha orelha? O que é senão obra e graça
desse professor?
P.S.: excepcionalmente postado nesta sexta-feira. Bom Natal, meus queridos! Valeu!!!
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