sábado, 7 de dezembro de 2013

Caixões e caixotes

Perto do quilo onde eu almoço tem uma funerária que expõe aos mais chegados caixões com as cores e o escudo de times de futebol. Aqueles que sempre vejo estão esperando candidatos palmeirenses, são-paulinos e corintianos.
Ou a rotatividade é muito grande, ou ultimamente estão morrendo mais santistas, lusitanos e flamenguistas. O fato é que estão sempre lá. Os três. E, já dando um cartão vermelho para a primeira opção, noto, muito disfarçadamente, para não chamar a atenção — sim, porque de repente, o proprietário, louco por um negocinho, e sabedor de minhas preferências esmeraldinas, pode pensar que exista algum interesse de minha parte, e já queira implementar uma venda futura, o que na verdade é absolutamente falso — o surgimento, dia a dia, de uma pequena camada de pó, o que denota, decididamente, falta de zelo da faxineira e longevidade para os caixões torcedores.
O que acontece, na verdade, é que a loucura humana não tem limites. Adquirir um caixão temático não é novidade nenhuma. Em Gana, por exemplo, isso é muito comum, e, de acordo com os costumes e tradições locais, é sempre notícia — pra nós, um tanto quanto bizarra — o músico que foi enterrado dentro de um caixão-piano, ou o pescador — essa é demais — que depois de morto, foi engolido por um peixe enorme (o caixão-peixe), ou o caixão-projetor de filme. Mas a demência a que me refiro não é a dos africanos. Não! Esses peixinhos e projetores? Não! Isso é perfumaria.
Ultimamente venho declinando os convites alvissareiros para uma flanada sem compromisso por entre túmulos e crisântemos nos cemitérios locais, de modo a depositar uma florzinha que seja na casa derradeira de nossos entes queridos, que já se foram, mas que vivem em nossos pensamentos e corações. Porém, pelo que me recordo, era muito comum encontrar verdadeiras mansões, obras faraônicas, jazidas inteiras de mármores e granitos, que servem pra quê, eu lhes pergunto? Pra quê? Hein? Alguém se atreve? Que servem de moradia para o nada, ou, tá, sejamos mais delicados, que servem de moradia para a casca, que já era. Ou alguém acha que nós somos a casca, e que o que tá lá é um pedaço da essência humana?
Mas esses dias sucumbi a um desejo mórbido e insistente, e parei pra dar uma espiada nuns caixõezinhos. Sem interesses subliminares, é claro. Mais instigado pelos torcedores de madeira, que continuam lá, em pé, hirtos como a guarda do Castelo de Windsor. Conversando, descobri que tem caixão de tudo quanto é tipo: de madeira maciça de carvalho, de mogno, de vime, tem caixão estilo americano, europeu, aveludado por dentro, com ventilador, cama ajustável e descanso de punho, he, he, he! “É pro morto ficar mais confortável?”, não resisti.
Gastar dinheiro construindo mansões em cemitérios, ou comprando caixões luxuosos, é o cúmulo da loucura. Quando eu morrer, podem jogar a minha casca num caixote, o mais porcaria que tiver. Neca de petibiriba de caixão de luxo. O melhor seria o forno mesmo. Seria o ideal. A forma mais respeitosa. Muito mais digna. Depois, que mandem as cinzas para o mar, para a praia da Fazenda.
Mas o forno infelizmente não está ao alcance da ralé. E ainda não existe crematório público, ideia, a meu ver, que deveria ser abraçada com afinco pelas autoridades. Pois então, que me mandem ao caixote mesmo. Não tem problema. E que venham as formigas. Tô nem aí.

 

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