Mas
não quero falar desse espetáculo aí. Não! O espetáculo do Robertão? Não! Sua
orquestra dispensa comentários. Seria chover no molhado, e já basta a chuva que
caiu. Vou falar de otras pequenas cosas que ninguém viu. Mas eu vi.
Quando
cheguei, estranhei a demarcação que fixava a fronteira entre a ralé sem
privilégios (na qual me incluo) e os poucos, pouquíssimos vipérrimos que
poderiam assistir ao espetáculo sentados confortavelmente de frente ao palco.
Pensei: “Poxa! Até num espetáculo popular, patrocinado pelo Poder Público, há
divisão entre as classes?”. Já deveria ter imaginado a mimosa separação, quando
ainda pelo caminho, me deparei com um jovem senhor carregando sua almofadinha,
já ciente de que o espetáculo seria visto em pé. “Ué? Almofadinha pra quê?”. No
entanto, parece que os vips se assustaram com a chuvinha, e sete da noite eram 10
cadeiras vazias por uma ocupada, obrigando os organizadores a abrir espaço ao
povão. Mas não é disso que quero falar. Há cositas mais interessantes que esses
pormenores insípidos.
O guarda-chuva,
por exemplo. Ah, o velho guarda-chuva, que Pratinha tão bem retratou em sua
B&C. Mas não resisto, com a permissão do jovem mestre. Cumpriu bem a sua
missão, o dengoso. Protegeu chapinhas e escovas, carcaças e adiposidades. Não
foi fácil. Houve duelos interessantes, mais que violinos e violoncelos, harpas
e flautas, pratos e castanholas. Havia as sombrinhas, coitadas; franzinas,
delicadas, que não se atreviam a desafiar o poderoso varão. Eles, maiorais,
ocupavam todo o pedaço, e não davam mole às picorruchas. Só não imaginavam
encontrar pela frente uma ou outra plus size feminista defendendo a classe. Aí
foi covardia. No meu canto, defronte à gradinha de segregação, via tudo com um
sorriso de escárnio; assistia aos duelos com ligeiro interesse, mal sabendo que
num lampejo, era o meu, já velhinho e cansado, quem era levado à lona por um
Anderson Silva das varetas musculosas. Eu, hein?
Mas
guerra mesmo não se deu só na etnia guarda-chuvana. Foi além, muito além. Entre
classes, eu quero dizer. Foi o que ocorreu quando os seguranças abriram a
portinhola, o que permitiu o acesso dos varões e das picorruchas a um
território até então dominado pela trincheira inimiga: as capas plásticas. O
proletário avançou sobre a burguesia, a esquerda atropelou a direita, a elite
foi engolida pelas massas. O que vi foi muita capinha desistindo de tudo,
ignorando os dois telões de imagem digital, e pegando o caminho de casa,
achando que o mundo é injusto.
No
final, perderam de ver Tibiça fazer dançar gregos e troianos, num espetáculo
cultural com a dimensão da generosidade do simpático maestro e sua trupe.
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