sábado, 8 de março de 2014

OSESP e otras pequenas cosas

Noite dessas, sem me importar com a chuva rala, fui ver o Robertão Tibiriçá e sua trupe na dispersão da Walter Thaumaturgo. Trata-se de um projeto do Governo do Estado de São Paulo intitulado “OSESP Itinerante”, que pretende levar música clássica ao interior do Estado, em comemoração aos 60 anos da orquestra. Numa bem montada concha acústica o regente comandou seus músicos, que passearam pela Sinfonia nº 5 em dó menor, op.67, 1º e 4º movimentos, de Beethoven; Ruslan e Ludmila: Abertura 5' de Glinka; Romeu e Julieta - Abertura-fantasia de Tchaikovsky.
Mas não quero falar desse espetáculo aí. Não! O espetáculo do Robertão? Não! Sua orquestra dispensa comentários. Seria chover no molhado, e já basta a chuva que caiu. Vou falar de otras pequenas cosas que ninguém viu. Mas eu vi.
Quando cheguei, estranhei a demarcação que fixava a fronteira entre a ralé sem privilégios (na qual me incluo) e os poucos, pouquíssimos vipérrimos que poderiam assistir ao espetáculo sentados confortavelmente de frente ao palco. Pensei: “Poxa! Até num espetáculo popular, patrocinado pelo Poder Público, há divisão entre as classes?”. Já deveria ter imaginado a mimosa separação, quando ainda pelo caminho, me deparei com um jovem senhor carregando sua almofadinha, já ciente de que o espetáculo seria visto em pé. “Ué? Almofadinha pra quê?”. No entanto, parece que os vips se assustaram com a chuvinha, e sete da noite eram 10 cadeiras vazias por uma ocupada, obrigando os organizadores a abrir espaço ao povão. Mas não é disso que quero falar. Há cositas mais interessantes que esses pormenores insípidos.
O guarda-chuva, por exemplo. Ah, o velho guarda-chuva, que Pratinha tão bem retratou em sua B&C. Mas não resisto, com a permissão do jovem mestre. Cumpriu bem a sua missão, o dengoso. Protegeu chapinhas e escovas, carcaças e adiposidades. Não foi fácil. Houve duelos interessantes, mais que violinos e violoncelos, harpas e flautas, pratos e castanholas. Havia as sombrinhas, coitadas; franzinas, delicadas, que não se atreviam a desafiar o poderoso varão. Eles, maiorais, ocupavam todo o pedaço, e não davam mole às picorruchas. Só não imaginavam encontrar pela frente uma ou outra plus size feminista defendendo a classe. Aí foi covardia. No meu canto, defronte à gradinha de segregação, via tudo com um sorriso de escárnio; assistia aos duelos com ligeiro interesse, mal sabendo que num lampejo, era o meu, já velhinho e cansado, quem era levado à lona por um Anderson Silva das varetas musculosas. Eu, hein?
Mas guerra mesmo não se deu só na etnia guarda-chuvana. Foi além, muito além. Entre classes, eu quero dizer. Foi o que ocorreu quando os seguranças abriram a portinhola, o que permitiu o acesso dos varões e das picorruchas a um território até então dominado pela trincheira inimiga: as capas plásticas. O proletário avançou sobre a burguesia, a esquerda atropelou a direita, a elite foi engolida pelas massas. O que vi foi muita capinha desistindo de tudo, ignorando os dois telões de imagem digital, e pegando o caminho de casa, achando que o mundo é injusto.
No final, perderam de ver Tibiça fazer dançar gregos e troianos, num espetáculo cultural com a dimensão da generosidade do simpático maestro e sua trupe.


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