Nem que seja um pouquinho. Um pouquinho
só. Eu sei que não tens tempo. É correria bruta, absurda, colossal. Mas quem
não acha tempo para um simples lírio não pode ser feliz. E vida sem
felicidade... Acorde, doce Clarissa! A vida passa como um raio cortando o céu,
como um incidente, com a chuva de verão. E de repente, sol. E a vida? Noite.
Não se trata de simples aventuras
provisórias, faça-me o favor, senhor Juliano! De jeito nenhum! A vida é muito
mais que isso. Não pode haver lugar para o provisório, o limitante, o parcial,
o mais ou menos. Vida mais ou menos? Nunca! O que pensas que sou? O bom filho
eterno? Ora, nem queira saber. A ultrapassagem daquela linha tênue que nos
separava sacudiu os fantasmas da infância. Um trapo. Mas feliz, ah, feliz!
Feliz por se dar conta que isso é vida. Uma azeitona preta carnuda pronta pra
ser devorada. Ah, doce vida! O fotógrafo? Pode registrar.
Nem Helena nem Iaiá. Nem ninguém.
Ninguém pode ajudar. Não há definições, conceitos, mergulhos, viagens possíveis
no vasto e limitado repertório humano. Nas profundezas do ser? Talvez. Talvez
ali você encontre algo. Na cartomante muitos já tentaram. Mas brincar com fogo
talvez seja menos perigoso que tentar entendê-la. A ressurreição pode tê-la
restaurado, mas ainda assim, desconhecemos o que ela significa. Sem entender. O
que é você? Responda? Eu prefiro seguir com a igreja do diabo. Quem sabe?
Sou homem comum. Um homem comum que
tenta responder às perguntas universais que não calam. Indignação! Indignação,
sim, por não encontrar palavras, por não conseguir elaborar frases, por não
conseguir romper a superficialidade para encontrar algum sentido que possa
responder à pergunta prosaica feita com olhos de insatisfação. O avesso pode
ser um bom começo. O avesso da vida? A morte. Mas isso só pode ser um complô!
Um complô contra mim e contra a América! Como a morte, um fantasma que sai de
cena, ou entra, vem como um animal agonizante colocar suas garras num
patrimônio de vida, que só quer falar de vida, que só quer entender de vida?
Mas vida não se entende. Desonra
nenhuma, meu senhor, desonra nenhuma. Não, não se entende. Ainda assim, patino na
teimosia. Como só Elizabeth Costello poderia fazer. Sim, sim, sigo minha árdua
tarefa, ainda que seja homem comum e homem lento, ainda que desprovido do
conhecimento da mais fina filosofia, ainda que na infância e na juventude tenha
sido um insipiente, insignificante e ignaro sobrevivente. E só. Mais nada.
Talvez devêssemos bisbilhotar a vida dos animais. Sim, sim, dos animais. Esses
seres tidos por nós, brilhantes e inteligentes humanos, como irracionais. A
vida no avesso. Puts! Na irracionalidade? Que irracionalidade? Onde?
A missão é quase insana. Nem usando
parte de um universo pensante ela se desnuda em carne. Nem com as mãos lisas
agarradas em Érico, Tezza, Machado, Roth, Coetezee. Oh, Abu! Sua pergunta não
cala, mas as respostas se escondem no oceano negro do desconhecido. A vida é
isso. Desconhecimento em estado bruto. Mas linda.
Maravilhoso, parabéns!
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