sexta-feira, 11 de abril de 2014

Juventude

Na tevê o padre dizia que uma senhora se aproximou dele pra conversar. Num dado momento, começou a realçar sua jovialidade. “Nossa, padre, mas o senhor ainda é muito jovem!” “Em absoluto! Em absoluto! Eu não sou jovem! E não quero ser jovem! A juventude foi uma fase boa, mas passou!” Segundo o padre, a busca pela eterna juventude, baseada na ideia de que é a fase mais bela da vida humana, é um conceito absolutamente falso. Todas as fases podem ser maravilhosas, dependendo da cabeça de cada um. Arremata dizendo que seu sonho é se tornar um sábio ancião.
Nessa tarde gloriosa estava eu em stand by, sentado no sofá da sala, chupando umas mexericas. Stand by? É! Nem ligado nem desligado. Estava disponível, digamos. Se estivesse desligado as palavras do padre voariam. Mas, em “stand by”, elas entraram junto com os gominhos, e cá estou falando delas. E confesso que penso igual. Em parte, é claro. Em parte. Não que eu discorde de parte do que o padre falou. Eu apenas não tenho a mesma ambição. Pra mim, encerrar a jornada como um velho já tá de bom tamanho.
Todas as fases da vida podem ser maravilhosas se soubermos aproveitá-las. O padre está certíssimo. Porém, com o avanço da idade, certas coisas podem se tornar um pouco mais complicadas. Normal. De repente você cresce em sabedoria (se bem que nem todo mundo consegue evoluir nesse quesito, he,he,he), mas tem aquele negócio de decadência física. Eu, por exemplo. Outro dia tava pensando em como era cortar as unhas dos pés aos dezoito. Quer saber? Nem lembro. Sinal que era fácil. Não tinha barriga. A vista funcionava que era uma beleza.
Há um autor que explora muito bem essa temática, o Philip Roth. Mas, ao contrário do padre, Philip detona a velhice. Para ele, a velhice não é uma batalha, é um massacre. O tempo transforma o corpo humano num armazém de aparelhos artificiais cuja função será adiar o colapso. No livro Homem Comum, sua visão açodada inquieta: “Que agora não era ele próprio mais nada, apenas um zero imóvel, aguardando com raiva a bênção de um aniquilamento absoluto”.
Me perguntam se tenho medo da morte. Nada! A gente não sente bulhufas quando dorme, sente? Você ronca, inadvertidamente acerta o braço na sua mulher, baba, fala, uma porção de coisas, e não se dá conta, dá? Você não tem a mínima ideia. Só se lembra que deitou para dormir, e que acordou no dia seguinte. A morte é a mesma coisa, tipo sono pesado, inconsciência pura, um nada absoluto. Agora, a decadência física que o Roth trata sem dourar a pílula, e da qual não conseguir cortar as unhas dos pés é só o começo, ah, isso me assusta. E tem aquele negócio da inexorabilidade. Você pode fazer arranjozinhos se quiser, puxar um pedaço ali, outro lá, pagar para que suguem suas adiposidades, tornar-se um velho saudável, malhar, correr, alimentar-se direito, mas a garantia é zero.
Apesar de tudo isso aí, desse monstro que uma hora vai te pegar, ainda assim é possível dizer que a juventude não é a melhor fase da vida. Não! Não é!
P.S.: Excepcionalmente postado nesta sexta-feira 

              

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