“Bom dia! Aderbal da Silva. Eu queria
cancelar meu cartão de crédito. Sim, está no meu nome. Como? Seis meses. Não,
eu uso muito pouco. Não, não interessa. Meu CPF? Claro! É 068XXXXXX-XX. Sim, obrigado.”
Eu continuava trabalhando na conferência de uns documentos, mas não tinha como
não prestar atenção na conversa. “Ela me passou para outra pessoa. É a chefe
dela”, diz, muito compenetrado.
“Pois não? Ah, sim! Meu nome? É Aderbal
da Silva. Eu queria cancelar meu cartão. Cartão de crédito. Sim, no meu nome.
Seis meses, mais ou menos. Então, não compensa manter o cartão, você entende,
né? A taxa é alta e eu uso pouco. Não, não interessa. Não, mocinha, muito obrigado,
mesmo assim prefiro cancelar mesmo. Não interessa, não. É 068XXXXXX-XX. Sim,
sim. Rua Félix Guisard, XX, Belém. Taubaté. Ah, pois não.” Ele, agora tapando o
aparelho, diz baixinho: “É muita burocracia. Me passaram para outra pessoa”. Depois
de alguns minutos, ele retoma a conversa:
“Pois não? Ah, sim! Meu nome? Poxa... é
Aderbal da Silva” — vejo ele murchando — “Eu gostaria de cancelar o cartão” — e
ficando vermelho. “Está no meu nome. Aderbal da Silva!” — aumenta o tom da voz
— “Eu não quero mais! Não interessa! Não, mocinha, não interessa, eu quero
cancelar mesmo! É 068XXXXXX-XX. RG? Poxa, mas vocês são enrolados demais, agora
o RG? É 18XXXXXX. Félix Guisard, XX, Belém. Mocinha!? Moc... Como assim? Ah,
não, não é possível! Ela me passou para outra pessoa!”. Eu, por dentro, choro
de rir. Coitado do Aderbal. Mas o pior ainda estava por vir. “Caiu a ligação.
Não é possível! Caiu a ligação! Ah, não vou fazer mais isso agora! Tenha santa
paciência!”. Vejo-o bater o fone no gancho e sair bufando.
Esta cena, real, aconteceu em 1990, num
departamento da Prefeitura de Taubaté. De lá pra cá, já se vão mais de 20 anos.
O leitor há de concordar comigo que seria razoável conceber que um “Perrengue
de Aderbal” (vamos cunhá-lo assim?) ficou no passado, quando o sistema SAC engatinhava,
quando nós tínhamos ainda uma constituição fresquinha, código de defesa do
consumidor debutando, mal tínhamos linha telefônica à disposição e pessoas
defendendo os interesses da classe consumidora.
Hoje, tudo mudou! Claro! O sistema
tomou banho de tecnologia, abriu-se o mercado, vieram as operadoras. Portanto,
nem dei bola quando um raio detonou o modem da minha internet. Que isso! Fácil!
Vou ligar, informar o problema, e rapidamente eles vão resolver. Traz um modem
novo, leva o queimado. Simples.
Ledo engano. Descobri que o perrengue é
mais sofisticado, mas continua, e o sofrimento é o mesmo. Primeiro, pra ser
atendido. Numa das vezes (foram várias, é claro), cheguei a ficar esperando no
telefone mais de duas horas. Depois, a virtualização. O virtual, que está na nossa
casa, no namoro, na amizade, no sexo, agora também tá no serviço de assistência
técnica. Eles não querem mandar um técnico na sua casa, eles querem resolver de
lá. Mesmo eu informando que o modem tava mais morto que D. Pedro I. Lembrei-me
do Aderbal. Sem chorar de rir, é claro.
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