sábado, 23 de agosto de 2014

Guardados

Dia frio. Não sei se é coisa de velho, mas mesmo com uma preguiça inclemente, resolvo dar uma bisbilhotada. É uma caixa sem graça. Está lá, impregnada de poeira, guardada há séculos no fundo de um guarda-roupa. Nem lembrava mais dela. A modorrência me consome, mas não desisto. Coloco-a sobre a mesa. Abro.

Apanho um papel velho, amarelo, datado de 22/05/1996. Está escrito: “Teste imuno-químico de gravidez. Resultado: POSITIVO”. Lembro-me daquele dia. Estávamos tentando nosso primeiro rebento. Duas semanas antes, minha mulher havia caído em prantos com um pequeno sangramento, inconfundível aviso de começo de menstruação. Depois o sangue estancou. Duas semanas mais e o exame com esse resultado aí. O início da vida, ainda vidinha, do meu pequeno gigante militar.

Encontro dois cartões postais que muito me alegram. São do meu amigo Pompeo Ferro, pai do Francisco. Num deles está escrito: “Castellabate, 22/04/1992. Um forte abraço, Sergio. A você, a toda sua família e a todos do seu trabalho. Deste teu amigo que muito vos estima, Pompeo Ferro”. E no outro: “Naquela casinha lá no fundo, com a janela aberta, há 57 anos atrás, vinha ao mundo este seu amigo Pompeo. Um forte abraço a você, a toda a sua família e aos seus amigos de trabalho”. A cidade era San Marco de Castellabate, no sudoeste da Itália, cidade natal do meu amigo.

Vejo uma foto do saudoso Monsenhor Teófilo de Almeida Crestani, antigo pároco do Santuário de Santa Teresinha, que nos deixou em 11/12/1993. Lembro-me de uma frase monumental sua, dita para as carolas de sacristia que odeiam respirar o mesmo ar fresco dos jovens, e que cismam com a altura da saia das meninas: “Antes de minissaia na igreja do que fora!”.

Um adesivo. Um adesivo que nunca foi colado. Um adesivo do Pinguim, famosa choperia de Ribeirão. Sim, sim, é verdade, digo pra mim mesmo como que se respondendo a alguém. Estive em Ribeirão, na casa do César, meu cunhado, em 1995. Passamos um final de semana lá, e conhecemos o famoso chope.

Percebo que existem certos guardados que já deveriam estar no lixo. Por exemplo, uma tabela da Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos. Pra que guardar uma tabela de Copa do Mundo? Vejo no grupo B que o Brasil, na primeira fase, ganhou da Rússia por 2x0; de Camarões, por 3x0 e empatou com a Suécia por 1x1. Depois ganhou dos Estados Unidos, em São Francisco, no dia da comemoração da independência deles, por 1x0, da Holanda por 3x2, da Suécia por 1x0, e, por fim, sagrou-se campeão em cima da Itália, nos pênaltis, quando o Baggio chutou aquela bola pra fora do estádio. Uma planilha de receitas e despesas (meu Deus!!!), quando eu pagava R$ 98,00 numa parcela de IPVA, era associado do Círculo do Livro e tinha conta no hamburgueiro do bairro. Ah, vejo que naquela época eu conseguia guardar dinheiro na poupança! Bons dias! Agora, pra que guardar nota fiscal referente à compra de um toca-fitas de carro no valor de R$ 248,20?

Chega. Chega disso tudo. Guardo os papéis de volta, fecho, volto a caixa para o seu lugar, no fundo do guarda-roupa. Fico a pensar, porém, se não seria caso de fazer uma faxina, jogar fora a velharia, tabelas de copa, planilhas, notas fiscais. É... Talvez... Qualquer dia desses.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comunicado

O autor informa que suas crônicas estão sendo publicadas com exclusividade na página Crônica do Dia ( www.cronicadodia.com.br ). Convida...