sábado, 11 de agosto de 2012

Anita (ato 1)


Padre Joaquim conheceu Anita na igreja, em confissão. Naquela época ele trabalhava na paróquia do Belém, em Taubaté. Era uma boa paróquia para se trabalhar, uma comunidade simples, gente atenciosa, hospitaleira, pastorais atuantes, e uma casa paroquial sólida e espaçosa, construída bem ao lado da igreja.
Sua rotina começava cedo com a missa das seis. Ainda pela manhã Joaquim lecionava no seminário diocesano, e pouco antes do almoço, na faculdade de teologia. Duas vezes por semana fazia mestrado em Ciências Sociais da Religião, em São Paulo. Frequentava bons restaurantes, estudava piano, jogava futebol com os seminaristas às terças-feiras, e revezava com padre Beto as missas das sete da noite.
Sempre foi um padre à frente de seu tempo. Adorava tecnologia, equipamentos eletrônicos, celular, ipod, notebook. No campo ideológico integrava a linha conhecida como progressista. Sempre defendeu uma maior participação da mulher na liturgia, o fim do celibato, posicionamentos que provocaram certa rejeição da ala mais conservadora da igreja católica, a ala dominante. Mesmo assim, e ele nunca soube o motivo, foi trabalhar em uma comunidade excelente: a do Belém.
Naquela manhã cinzenta e fria, Joaquim tomava algumas notas para as aulas, quando ouviu alguém bater à porta. A igreja, após a missa, permanecia fechada até a próxima celebração, que acontecia somente à noite. Foi com estranhamento, portanto, que ouviu as batidas. A jovem se identificou como Anita. Queria confessar. Parecia aflita.
Embora não fosse muito dado a calcular idades, pelo que pôde notar Anita não tinha mais que vinte. Pele branca. Olhos negros. Cabelos castanho-claros. Nariz arrebitado. Quis dispensá-la. Pensou seriamente em fazer isso. Que viesse outra hora. Não tinha tempo, já estava atrasado para a aula no seminário.
Mas não falou nada. Achou melhor confessá-la. Negar-lhe a absolvição que pedia seria no mínimo um sacrilégio. Confessou-a ali mesmo, num dos bancos da igreja, bem em frente ao altar. Desconheço o inteiro teor, naturalmente, e isso também não vem ao caso. O que importa dizer é que a confissão deixou Joaquim muito perturbado. Anita era uma prostituta. Consumia drogas. E acabara de matar um homem.

(continua na próxima semana)

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