Padre Joaquim
conheceu Anita na igreja, em confissão. Naquela época ele trabalhava na
paróquia do Belém, em Taubaté. Era uma boa paróquia para se trabalhar, uma
comunidade simples, gente atenciosa, hospitaleira, pastorais atuantes, e uma
casa paroquial sólida e espaçosa, construída bem ao lado da igreja.
Sua rotina
começava cedo com a missa das seis. Ainda pela manhã Joaquim lecionava no
seminário diocesano, e pouco antes do almoço, na faculdade de teologia. Duas
vezes por semana fazia mestrado em Ciências Sociais da Religião, em São Paulo.
Frequentava bons restaurantes, estudava piano, jogava futebol com os
seminaristas às terças-feiras, e revezava com padre Beto as missas das sete da
noite.
Sempre foi um
padre à frente de seu tempo. Adorava tecnologia, equipamentos eletrônicos,
celular, ipod, notebook. No campo ideológico integrava a linha
conhecida como progressista. Sempre defendeu uma maior participação da mulher
na liturgia, o fim do celibato, posicionamentos que provocaram certa rejeição
da ala mais conservadora da igreja católica, a ala dominante. Mesmo assim, e
ele nunca soube o motivo, foi trabalhar em uma comunidade excelente: a do
Belém.
Naquela manhã
cinzenta e fria, Joaquim tomava algumas notas para as aulas, quando
ouviu alguém bater à porta. A igreja, após a missa, permanecia fechada até a
próxima celebração, que acontecia somente à noite. Foi com estranhamento,
portanto, que ouviu as batidas. A jovem se identificou como Anita. Queria
confessar. Parecia aflita.
Embora não
fosse muito dado a calcular idades, pelo que pôde notar Anita não tinha mais
que vinte. Pele branca. Olhos negros. Cabelos castanho-claros. Nariz
arrebitado. Quis dispensá-la. Pensou seriamente em fazer isso. Que viesse outra
hora. Não tinha tempo, já estava atrasado para a aula no seminário.
Mas não falou
nada. Achou melhor confessá-la. Negar-lhe a absolvição que pedia seria no
mínimo um sacrilégio. Confessou-a ali mesmo, num dos bancos da igreja, bem em
frente ao altar. Desconheço o inteiro teor, naturalmente, e isso também não vem
ao caso. O que importa dizer é que a confissão deixou Joaquim muito perturbado.
Anita era uma prostituta. Consumia drogas. E acabara de matar um homem.
(continua na próxima semana)
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