sábado, 25 de agosto de 2012

Anita (ato 3)


Você deve concordar comigo: foi uma bela atitude! Honestamente, eu não conheço um padre sequer, unzinho só, que deixe o conforto de sua sacristia para conhecer de perto os problemas dos outros. Que tome atitude. Que se envolva. Que trabalhe de forma concreta pela restauração de um ser humano.
Não. Não há padres assim. E olha que tenho muitos amigos no clero. E olha que os conheço de perto. Foi por essas e outras que larguei a batina. Mas isso não vem ao caso. Você quer ouvir a história de Anita. Não a minha.
Acontece que Joaquim, mesmo sendo um padre culto, engajado, diferente, mesmo sendo um padre disposto a abraçar o sacerdócio como doação, mesmo tendo todas as qualidades possíveis, mesmo sendo uma pessoa admirável, inteligente, mesmo sendo tudo isso, acabou se enrolando e fazendo uma grande bobagem, que consome seus dias até hoje.
Seu interesse por Anita extrapolou o simples desejo de fazer o bem e ajudar alguém que precisa. Ele começou a gostar de estar com ela, a gostar do seu cheiro, a gostar da sua voz, a gostar de seu sorriso e de seus trejeitos. Ele começou a desejá-la. E se isso aconteceu com Joaquim, da parte de Anita não foi diferente. Ela só pensava nele. Não como um padre, alguém que a ajudou quando todas as portas se fecharam. Mas como um homem.
Joaquim passava em sua casa todas as noites. Conversavam, comiam pizza, às vezes saíam. No começo, ainda que a intimidade incomum despertasse a curiosidade dos vizinhos, havia mesmo uma amizade. Ambos se sentiam bem na companhia um do outro. Dividiam problemas, festejavam pequenas vitórias.
Foi Anita quem primeiro notou o que estava acontecendo. Pensou em fugir. Sim, sim, num primeiro momento pensou em arrumar suas coisas e se mandar. Mudar de cidade. Desaparecer.
O primeiro beijo aconteceu depois que exageraram no vinho. Anita ficou sem reação. Após seus lábios se separarem, teve vergonha de encarar Joaquim. Ele a surpreendeu. Quis mais. Suas mãos avançaram por seu corpo. E se não fosse sua reação confusa de mandá-lo embora, terminariam a noite na cama.
O fato, meu amigo, é que depois do primeiro beijo, a intimidade só aumentou. Não conseguiam mais viver separados. Houve as promessas. As atitudes. Ele abandonou os estudos em São Paulo. Juntos começaram a fazer planos. Filhos. Família. Uma nova cidade para morar.
Foram dias felizes para Anita. Ela ainda não conhecia aquele sentimento que fazia bem e que as pessoas chamavam de amor. Dentro daquela casinha, longe dos olhares maldosos, eles viviam uma paixão intensa.
Não vou dizer que a situação em si não os incomodava. É claro que incomodava! Anita cobrava uma definição de Joaquim. Ele dizia que estava se preparando para a conversa com o bispo. Mas que tudo já estava decidido.
 

(continua na próxima semana)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comunicado

O autor informa que suas crônicas estão sendo publicadas com exclusividade na página Crônica do Dia ( www.cronicadodia.com.br ). Convida...