sábado, 18 de agosto de 2012

Anita (ato 2)


Anita era uma largada no mundo. Na infância, fora abusada pelo pai, um alcoólatra pedófilo que morreu assassinado na prisão. A mãe a tinha como uma rival. Roubou meu homem!, roubou meu homem!, dizia à própria filha. Também alcoólatra, após a morte do marido, expulso-a de casa e foi ganhar a vida na prostituição. Anita então foi viver na rua. Conheceu gente da pesada. Cometeu pequenos delitos. Prostitui-se. Drogou-se.
Procurou Joaquim após matar um homem. Um de seus clientes se declarara apaixonado. Um psicopata, segundo afirmou a Joaquim. Passou a ameaçá-la quando percebeu sua indiferença. Um dia, na cama, feriu-a com um tapa na boca. Noutro, mostrou-lhe um cano de revólver dizendo que “ai se ela o deixasse”. Certa vez, após transarem, ele ficou alterado. Começou a feri-la com uma faca de cozinha. Transtornada, conseguiu arrancar-lhe a faca da mão e enfiá-la em seu pescoço.
Naquele dia Joaquim foi à faculdade, mas não teve condições de lecionar. Havia atendido Anita em confissão. Pronto. Não precisava fazer mais nada. Já tinha feito a sua parte. Pecados absolvidos. Podia dar tudo por encerrado. Talvez, nunca mais a visse.
Mas não. Aquele pedido de ajuda havia tocado seu coração. Ele se negava a agir como outros padres que não se envolviam profundamente com os problemas de seus fiéis. Que tratavam os problemas dos outros apenas na superfície. Definitivamente, não.
Procurou Anita por diversos dias. Encontrou-a sentada num banco no entorno da rodoviária velha. Aguardava clientes. Assustou-se quando o viu, mas nitidamente, também ficou feliz. Conversaram um pouco. Depois daquele dia as conversas se repetiram outras três vezes na igreja, até que Joaquim convenceu Anita a se internar numa casa de recuperação de drogados.
A clínica, uma fazenda bem cuidada, ficava em Guaratinguetá. Tinha ligações com a igreja católica (Joaquim conseguiu a vaga graças à amizade que tinha com alguns padres da cúpula daquela diocese). Tratava os dependentes sem uso de medicação. Com trabalhos, orações, vida comunitária.
Anita ficou lá por um ano. Foi um dos melhores períodos de sua vida. Adaptou-se às regras monásticas com extrema facilidade. Trabalhou na horta, participou das orações, dos exercícios de espiritualidade. Fez amigos, e todos os meses não via a hora de chegar o dia da visita, quando recebia Joaquim. Contava as novidades, o progresso na clínica. Eram tardes inteiras de conversas animadas sob as sombras das quaresmeiras.
Quando deixou a fazenda, era outra mulher. Joaquim arrumou-lhe uma casinha para morar. E um emprego de vendedora numa livraria de produtos católicos.

(continua na próxima semana)

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