Anita era uma largada no mundo. Na infância, fora abusada
pelo pai, um alcoólatra pedófilo que morreu assassinado na prisão. A mãe a
tinha como uma rival. Roubou meu homem!, roubou meu homem!, dizia à própria
filha. Também alcoólatra, após a morte do marido, expulso-a de casa e foi ganhar
a vida na prostituição. Anita então foi viver na rua. Conheceu gente da pesada.
Cometeu pequenos delitos. Prostitui-se. Drogou-se.
Procurou Joaquim após matar um homem. Um de seus clientes se
declarara apaixonado. Um psicopata, segundo afirmou a Joaquim. Passou a
ameaçá-la quando percebeu sua indiferença. Um dia, na cama, feriu-a com um tapa
na boca. Noutro, mostrou-lhe um cano de revólver dizendo que “ai se ela o
deixasse”. Certa vez, após transarem, ele ficou alterado. Começou a feri-la com
uma faca de cozinha. Transtornada, conseguiu arrancar-lhe a faca da mão e
enfiá-la em seu pescoço.
Naquele dia Joaquim foi à faculdade, mas não teve condições
de lecionar. Havia atendido Anita em confissão. Pronto. Não precisava fazer
mais nada. Já tinha feito a sua parte. Pecados absolvidos. Podia dar tudo por
encerrado. Talvez, nunca mais a visse.
Mas não. Aquele pedido de ajuda havia tocado seu coração.
Ele se negava a agir como outros padres que não se envolviam profundamente com
os problemas de seus fiéis. Que tratavam os problemas dos outros apenas na
superfície. Definitivamente, não.
Procurou Anita por diversos dias. Encontrou-a sentada num
banco no entorno da rodoviária velha. Aguardava clientes. Assustou-se quando o
viu, mas nitidamente, também ficou feliz. Conversaram um pouco. Depois daquele
dia as conversas se repetiram outras três vezes na igreja, até que Joaquim
convenceu Anita a se internar numa casa de recuperação de drogados.
A clínica, uma fazenda bem cuidada, ficava em Guaratinguetá.
Tinha ligações com a igreja católica (Joaquim conseguiu a vaga graças à amizade
que tinha com alguns padres da cúpula daquela diocese). Tratava os dependentes
sem uso de medicação. Com trabalhos, orações, vida comunitária.
Anita ficou lá por um ano. Foi um dos melhores períodos de
sua vida. Adaptou-se às regras monásticas com extrema facilidade. Trabalhou
na horta, participou das orações, dos exercícios de espiritualidade. Fez
amigos, e todos os meses não via a hora de chegar o dia da visita, quando
recebia Joaquim. Contava as novidades, o progresso na clínica. Eram tardes
inteiras de conversas animadas sob as sombras das quaresmeiras.
Quando deixou a fazenda, era outra mulher. Joaquim
arrumou-lhe uma casinha para morar. E um emprego de vendedora numa livraria de
produtos católicos.
(continua na próxima
semana)
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