Meu
amigo Philip se aposentou. Agora chega, ele disse. Terminei. Já trabalhei
demais. Se E.M. Forster parou aos quarenta... Philip está com setenta e oito.
Está cansado. Acha que chegou o momento de parar. Azar o nosso.
Desde
que o conheci, alguns anos atrás, passei a admirá-lo, e muito mais do que um
amigo, me tornei seu fã. Quando abri os jornais e dei de cara com a notícia,
minha primeira reação foi pegar o telefone e dizer-lhe “puta que pariu, Philip!
O que aconteceu, cara?!”, como se isso fosse algo improvável de ocorrer. Até
Pelé parou, oras, por que o Philip não iria parar?
Sim,
sim, estou falando do Pelé das letras, do escritor Philip Roth. Não, não, não é
o que você está pensando. Ele nunca esteve em minha casa em Taubaté, bebendo um
vinho, comendo um risoto. Eu nunca estive em sua casa em Connecticut, tomando um chá, batendo um papo. Nós nunca
nos falamos ao telefone.
Mas posso dizer que somos amigos, muito embora ele não me
conheça, nunca tenha me visto, nem saiba de minha insignificante existência.
Mas eu o conheço, e o conheço bem. E esse conhecimento profundo que tenho de
gente como Coleman Silk, Narthan Zuckerman e Bucki Cantor me autoriza, segundo
as normas vigentes de meu precário entendimento das coisas, a considerá-lo meu
amigo de verdade, e de longa data.
Você se deixar enlevar por um livro é umas das coisas
mais significativas que existem nesse mundo. Eu sempre gostei de ter um bom
livro nas mãos, de preferência um romance. Quando li o livro do Philip, eu
delirei. Enfim, tinha encontrado um escritor que escrevia as coisas que eu
tinha vontade de ler.
Tinha medo de passar a vida inteira sem dar de cara com
um desses. Para mim, isso era muito importante. Encontrar um escultor das
letras com quem me identificasse, olho no olho, cujas histórias me tocassem lá
no fundo, cuja linguagem enchesse de alegria meus cansados olhos.
Seus tijolões me proporcionaram tudo isso em
agradabilíssimos momentos, daqueles em que a gente não vê o tempo passar, que a
gente se deixa levar, se entregando, mergulhando completamente; daqueles em que
pessoas que têm suas existências definidas por limites exclusivamente
ficcionais se tornam presentes em nossa vida cotidiana, pessoas íntimas, que
ganham na nossa imaginação, pura existência real, como se fossem nossos amigos
há tanto tempo.
A boa história pode proporcionar isso. Muito já se
discutiu sobre o propósito da literatura, sua finalidade, sua razão de ser. Não
quero invadir essa seara, que deixo muito amavelmente aos literatos, aos
mestres da literatura, aos homens e mulheres das letras.
Mas usando de uma assertiva tão simples como um pé de
milho, digo que a boa literatura faz bem ao homem, e que Philip me fez muito
bem por muito tempo.
Ainda bem que tenho um manancial de suas histórias na
minha estante. Ainda bem que posso, quando, como, onde e na hora que quiser,
deitar numa rede macia, ou numa cama quentinha, servir-me de um bom tinto, e me
deixar levar por uma boa história, ainda que seja a título de revisitação.
Quando leio o que você disse, Philip, que queria saber se escrever tinha sido uma perda de
tempo, e concluiu que tinha sido sobretudo um êxito; que no fim da vida o
boxeador Joe Louis disse que fez o melhor que pôde com aquilo que tinha e que
seria exatamente isso que você diria de seu trabalho, eu lhe digo, meu amigo,
que concordo, embora minha opinião e o mugido de uma vaca tenham o mesmo valor.
E sem querer ser impertinente, digo mais: fiquei
triste por sua aposentadoria, mas feliz por um dia você ter tido a infeliz
ideia de querer ser um escritor.
Bom dia Sergio! Parabens pelos comentarios apresentados, esta muito bom!
ResponderExcluirBom dia Sergio! Muito bom, estou gostando, parabens!
ResponderExcluirMarcos Geia