O garfo, por exemplo. Tão comum que a
gente nem se dá conta da sofisticação de suas linhas. Dentes arrojados, leve e
delicado. Até então, as pessoas comiam o alimento com as mãos. E o
saca-rolha? Que delicadeza e precisão. O
anticoncepcional. Uma revolução social. Os óculos. O edredom. A escova de dente.
A cadeira. O chuveiro. A taça de vinho. O espremedor de laranjas. O chinelo. A
agulha. O cortador de unhas. O pente. O abridor de latas. O canudinho.
Eu tô em casa, deitadão, só zapeando os
canais. Já pensou em ter de se levantar para mudar de canal? Ah!, seria uma maçada,
não? E o elevador? Prédios de 20, 30, 150 andares. O que seria deles se não
fosse o elevador?
Outro dia assisti à matéria sobre uma
feira em São Paulo que anunciava babás eletrônicas, ferros que não queimam a
roupa e panelas que cozinham sozinhas. O ferro atinge certa temperatura e se
estabiliza. Se você esquecê-lo em cima de sua camisa preferida, não esquenta: ele
esquenta, mas não queima. Não inventaram ainda o ferro que passe sozinho a
roupa, mas panela que cozinha sozinha, ah!, isso tem! Ela cozinha o arroz, os
legumes e o frango, tudo ao mesmo tempo e em compartimentos estanques. Você não
precisa se preocupar. Agora esse negócio de babá eletrônica... sei não. Diz a
reportagem que ela interage com a criança; até a voz da mamãe sai da geringonça.
Confesso que assistindo à reportagem,
lembrei-me do Jacinto de “A cidade e as serras”. Sua mansão nos Campos Elísios
tinha até elevador, mesmo com apenas 2 andares. Sua biblioteca tinha 30.000
títulos. Jacinto tinha 30 escovas de cabelo e muitas ocupações. Era um
aficionado por modernidade. Lembre-se de que estamos falando de 1901, quando o
livro foi publicado. Ele tinha fonógrafo, telescópio, telefone, telégrafo,
relógio que marcava a hora de todas as capitais e o curso de todos os planetas,
máquina de escrever, de calcular, conferençofone, teatrofone, calorífero,
aromatizador, lumes elétricos, e tudo, tudo o que você possa imaginar ele tinha
lá no seu 202. Dizia que a humanidade vivia muito mal apetrechada.
Apesar de todo o conforto, Jacinto, num
certo momento, perde o gosto pela vida. Perde até o interesse pelos alimentos. Não
tem mais apetite. Vive solitário e macambúzio. Um de seus empregados diz que
ele sofre de fartura.
Vai encontrar a felicidade (a legítima)
nas serras, na vida simples. Num trecho ele diz: “Agora, Zé Fernandes, estou
saboreando esta delícia de me erguer pela manhã, e de ter uma só escova para alisar
o cabelo. Tinha vinte! Talvez trinta! E era uma atrapalhação, não me bastavam...
Nunca em Paris andei bem penteado. Assim com os meus setenta mil volumes: eram
tantos que nunca li nenhum. Assim com as minhas ocupações: tanto me
sobrecarregavam, que nunca fui útil”.
Na ilusão de pescar a felicidade num
rio de apetrechos e coisa e tal, bilhões de Jacintos pescadores pós-modernos vagam
por aí. Ah!, a humanidade não tem jeito... O que mais me espanta é que o velho
Zé Maria, há mais de cem anos já tentava nos enfiar goela abaixo a perniciosidade
da prática do consumismo desenfreado.
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