sábado, 14 de setembro de 2013

Bodas de prata

Quando ela apareceu eu tinha 20 anos. Confesso que já fui dominado no primeiro encontro, e senti que nunca mais seria o mesmo. Meu lado macho-alfa foi escamoteado, até hoje eu o procuro dentro de mim. Nada. Sinceramente? Acho que fui abandonado. Não por ela; por ele, claro! Ela não, ela está aqui, agora, e anda sempre comigo. Não desgruda. Uns 24 anos. Já tentei dar-lhe um pé na bunda, mas é mais forte do que eu. Pra você ter uma ideia, logo, logo, estaremos comemorando bodas de prata. Olha como o tempo passa... O nome dela? Enxaqueca.
Acho que pior que ela, só mesmo uma dor de dente. Eu me lembro que na infância, ficava horas deitadão na cama com aquela esmagação pulsante, a sensação de que tinha alguém enfiando uma faca na minha boca. E torcendo. Não tinha remédio que desse jeito. Se bem que faz tempo que eu não sei mais o que é isso. Bastou um pouco de disciplina, fio dental, escovações e visitas regulares ao dentista. Uma fórmula simplória, mas que produz resultados interessantes. Enxaqueca não! Não há fórmula simplória.
Outro dia, um amigo me disse que nunca sentiu dor de cabeça. Não acreditei. “Porra, não pode ser! Nunca?” “Nunca. Eu não sei o que é isso”. O cara nunca experimentou a sensação de ter dor de cabeça. Pelamor...
Já fui a médicos. Já fiz tudo quanto é exame. Enxaqueca, o diagnóstico. Enxaqueca. Não sei se sou meio indisciplinado, se os remédios não foram lá com a minha cara, só sei que toda semana ela vem, às vezes no meio da tarde, chega como quem não quer nada, vai tomando seu lugarzinho (espaçosa!!!), e quando vejo, já me dominou completamente. Noutras, ela aparece pela manhã, sedenta. Vem que vem. Já teve noites que eu acordei em seus braços.
Viver com ela não dá. É sufocante. Essas atividades normais do dia a dia tornam-se um suplício quando ela aparece. Você se torna insuportável. Talvez por ela ser insuportável. Você só consegue enxergar um quarto (o seu, é lógico), uma cama (a sua), um travesseiro (nem preciso dizer) e uma escuridão absoluta.
É, meu querido, ela é fogo. Pra mim, só um jeito: aceitar sua presença asfixiante, e botar mais um na jogada. Sim, sim, relação a três.  Um ménage à trois. Não tenha dúvida. Se ela vem, eu corro pra gaveta e pego um Dorflex. Meu companheiro de tantos anos. Uma atípica relação a três. Se ela vem fogosa, eu chamo o meu amigo, e juntos damos conta da danada. Tá tudo certo.
Pensando melhor, parece que o meu lado macho-alfa dá indícios de sua vil existência em algum lugar dentro de mim (talvez onde Judas perdeu as botas). Mesmo sendo Dorflex o responsável por organizar meu caos, nessas horas, eu só me lembro dela, da fêmea, da menina, daquela que me balança, que me arrebata, que me tira dos eixos.
Tá. Sem injustiças vai: juntos, ele, ela e eu.
Bodas de prata.

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