Dona Sandra, 52 anos, talvez tenha sido
fisgada por essa ideia, e livre, leve e solta, acompanhada apenas de seu
cãozinho, foi se entregar ao desfrute de uma flanada a dois pela Marquês de São
Vicente, na Gávea. Não imaginava que, nas proximidades do Instituto Moreira
Salles, tivesse seu mimoso passeio interrompido por um incidente no mínimo
invulgar para uma ruela bucólica da zona urbana carioca: foi atingida na cabeça
por um serelepe porco-espinho, que caiu glorioso de cima de um insuspeito poste.
Sim, meu amigo, minha querida. O que você está lendo é o que você está lendo. Um
porco-espinho. Um poste. Um inofensivo poste.
Quando me deparei com a notícia nos
jornais, confesso que num primeiro momento, assim como você, não acreditei. Mas
depois, já adaptado a mais uma das bizarrices tupiniquins, me pus a refletir e
uma camada densa de preocupação tomou conta deste cronista chegado a uma
leseira: os famigerados desdobramentos.
Dona Sandra passa bem. Embora tenha
sofrido centenas de arranhões no couro cabeludo; embora tenha se submetido a
longas sessões de extração de espinhos à pinça, passa bem, e isso é o que mais importa.
Porém, outros desdobramentos se avizinham.
Primeiro, o caráter universal do
simplório fato. Com certeza, não se trata apenas de um eventozinho pós-moderno carioca.
É canarinho, meu amigo. É canarinho. Se aconteceu lá, por que você acha que
estamos livres de um porquinho espinhento aparecer por aqui? Ou você acha que
porco-espinho suburbano só existe na cidade maravilhosa?
Segundo, os efeitos psicológicos. Então,
se já não bastassem as preocupações diárias, tais como desviar de cocô de
cachorro; evitar andar debaixo de frondosas árvores pra não ser premiado; não
passar debaixo de portãozinho chiquetérrimo; rezar pra que nenhum projétil
desgovernado resolva se governar justamente pra dentro de você, agora temos que
andar também de olho em poste, que sempre esteve lá, inofensivo, mas que agora,
da noite pro dia, tornou-se esconderijo de roedores perigosos. Vocês não têm
ideia de como tudo isso faz um mal para a psique humana.
Agora, há um desdobramento que me
preocupa mais: as nossas autoridades. Ou você tem alguma dúvida de que
brilhantes ideias não vão sair das brilhantes cabeças de nossos políticos? Já
estou até vendo. Não estranhe se num futuro bem próximo não tenhamos de sair de
casa com um belo de um capacete verde-oliva no cocuruto e uma bolsinha de
primeiros socorros a tiracolo. Duvida? Tem empresário já trabalhando com a
ideia. Aposto.
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