É uma tarde de verão especialmente
linda. O mar nunca esteve tão verde (o mar é azul! — uma voz irritantemente
infantil me buzina no ouvido). Não, meu querido, neste caso, o mar que está
agorinha à minha frente, este aqui que estou vendo com os olhos que Deus me deu,
este mar é verde. Ah, é verde! Radiantemente verde! As espumas que brotam da
arrebentação são brancas, mas são tão brancas, e tudo é de uma nitidez tão
absurda, que a cena toda parece irreal, uma imagem digital, trabalhada, coisa
de cinema. Deveria estar no mar, isso sim, lá dentro, sentindo o sol e o vento
na pele, a água gelada a refrescar o corpo. Mas confesso que a coisa aqui fora
também me interessa. E muito, apesar de estar rabiscando tudo isso
precariamente numa maçaroca de finas folhinhas de guardanapo. Mas é o que
tenho, oras. E quando iria imaginar que fosse me deparar com um personagem de
uma de minhas crônicas fumando seu Marlboro em plena praia da Almada?
Na verdade, o que me chamou a atenção nele
foi sua atitude de balançar as mãos como se tivesse avistado alguém. Sabe
aquela cena clássica do cara perdido numa praia deserta pedindo socorro? Pois é.
Igualzinho. A diferença é que ele não tirou a bunda da cadeira, mas o movimento
das mãos, dos braços, igualzinho. Logo
percebi que ele queria chamar a atenção de um vendedor de queijo coalho. E num
certo momento parecia mesmo ter conseguido. Doce ilusão. Ele ficou ali, triste,
solitário, irritado. E sem queijo. Desde então minha atenção abandonou o mar, a
paisagem, o copo de breja, e ficou nele. E aí, meu querido, a mente viaja. Será
que tem filhos? Netos? Onde estão? E sua mulher? Morreu? Separou? Ou será que
nunca se casou? Não tem filhos, nem netos, nem mulher, nem ninguém?
Percebo num dado momento que ele fica
imóvel olhando as ondas que vêm e vão. E fica assim por um bom tempo, segundos,
minutos. Nem uma mulher gostosa, bronzeada, que passa à sua frente é capaz de
fazê-lo se desconectar do mar. Ah, ele sofre por amor. Olhar as ondas,
totalmente desconectado do mundo? Só tem uma explicação: amor não correspondido.
Meu amigo sofre, e sofre por amor.
Fico com vontade de puxar conversa, de
saber mais sobre o meu personagem. Sinto que ele tem vontade de falar com
alguém. Talvez seja tímido. Puxa vida, vir à praia neste dia lindíssimo e não
conversar com ninguém? Deve ser triste demais. A única pessoa a quem ele se
dirigiu nessas horas em que ficou olhando o mar foi o vendedor de queijo
coalho, uma linguagem corporal muito bem feita, mas inútil. E o garçom, obviamente,
a quem pediu as cervejas que tomou (foram três) e um quibe. Levanto-me com a
intenção de dar um mergulho. Me aproximo de sua mesa. “Boa tarde”, digo, como
quem não quer nada. Ele me olha desconfiado. Toma o último gole de cerveja,
desmancha sua pirâmide, põe tudo no bolso e se levanta. Vejo que seus olhos
parecem molhados. “Boa tarde”, me responde emburrado. Faz um gesto com as mãos
que não entendo. E vai embora.
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