sábado, 1 de setembro de 2012

Anita (ato 4)


Tudo bem. Estava decidido. Mas gostaria de saber, sinceramente, o que ele quis dizer com “estava decidido”. Estava decidido o quê? Que ele daria um pé na bunda dela?
Desculpa, desculpa... Essas coisas me tiram do sério.
É que com o passar do tempo Anita foi criando, digamos, uma certa dependência de Joaquim. Uma paixão louca. A pobre nunca amou ou foi amada na vida. Joaquim aparece e lhe estende o tapete vermelho. Um cara amoroso, atencioso, prestativo, disposto a largar tudo pra viver com ela. O que você acha?
Só que ele, em sentido inverso, descobre que só Anita não basta, e que a igreja, esta sim, a santa madre igreja, é a sua companheira de verdade, aquela que escolheu para viver do seu lado o resto da vida. É claro que eu dizendo isso você pode pensar que a coisa aconteceu assim, do dia pra noite. Não, não, ele foi enrolando a pobre, enrolando até não dar mais.
Joaquim se deliciava com Anita, mas era só bater a porta da rua e voltar para o mundo que a igreja tomava conta de seu pensamento. Como era um homem correto, é claro que sofreu com o erro cometido. Sofreu muito. Sim, num determinado momento ele se convenceu de que sua relação com Anita tinha sido um enorme equívoco.
Foi nesses momentos de angústia, de confusão, que Joaquim pôde contar com um amigo, um pouco mais experiente que ele, mais vivido, e acima de tudo, capaz de lhe guiar na escuridão que se tornara sua vida: Constantino.
Eram da mesma cidade, cresceram juntos e estudaram no mesmo seminário. Só se separaram quando Joaquim escolheu a Diocese de Taubaté, enquanto Constantino preferiu ficar em Campanha.
A Diocese de Campanha possuía um seminário em Taubaté, acho que já lhe falei disso, lá pelos lados do Santa Cruz do Areão. O seminaristas então, por algum tempo, estudavam na cidade; alguns gostavam e ficavam.
Constantino foi o primeiro a perceber o erro cometido por Joaquim. Aconselhou-o. Orientou-o. Trouxe-o de volta para o chão. Fê-lo perceber que sua vocação era realmente o sacerdócio.
Conseguiu arrastá-lo até Campanha. Joaquim ficou hospedado em sua casa. Uma semana. Uma semana intensa, que proporcionou uma espécie de aclaramento das ideias.
Disposto a trazer seu amigo de volta para a igreja, Constantino planejou aqueles dias com enorme zelo, como se estivesse organizando um retiro de padres ou um encontro religioso.
Ocupou a semana inteira com diversas atividades, celebrações, visitas a seminários, reuniões de pastoral. Proporcionou a Joaquim um reencontro com sua vocação. Visitaram comunidades pobres, celebraram missas em lugares distantes, atenderam confissão, participaram de quermesses, festinhas de igreja, bingos. Joaquim encontrou neste mergulho as raízes de sua vocação: o trabalho com os pobres.
Tanto que outro homem apareceu na casa de Anita numa noite. Ela percebeu a mudança, e nem precisou ouvir as explicações para entender tudo.

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