sábado, 15 de setembro de 2012

Anita (ato 6)


Mas Anita estava enganada. Ele tinha sim sido tocado por sua história. Não deu bola para o que diziam os outros padres. Não deu bola para os preceitos velhos de uma igreja velha. Gastou tardes inteiras com ela, ensinando, orientando, despejando-lhe um palavreado simples, mas profundo, que ia direto ao ponto. Se naquela manhã ele se mostrou frio e apressado, depois, foi como se tivesse saído de um poço de serenidade.
E tirou-a da rua. E levou-a até um lugar maravilhoso onde pela primeira vez na vida sentiu-se respeitada, amada, cuidada. Lá encontrou o que precisava. Aproveitou cada minuto. Fez amizades, conheceu pessoas tão sofridas e desprezadas quanto ela (algumas até mais), compartilhou experiências, recebeu ajuda, mas também conseguiu ser ajuda.
Trabalhou como nunca: de manhã, após as orações e o café, tinha de tratar da horta, colher verduras para o almoço, adubar, semear, regar. Tinha também a limpeza do pátio e dos dormitórios, o cozimento, a preparação das refeições, a louça.
Compartilhavam alegremente os serviços. A filosofia da fazenda estava baseada num tripé: trabalho, oração e convivência. Todos que estavam ali sabiam que aquele era um lugar especial, portanto, cuidavam dele com carinho.
Foi uma mistura de alegria e tristeza o dia que deixou a fazenda. Alegria por ter vencido o vício, e ter encontrado uma família. Tristeza por deixar a fazenda, os diretores, os voluntários, os amigos. Mas outros chegavam (como ela chegara um dia), e com eles a desconfiança, a resistência, o desespero.
Sempre enxergou em Joaquim um amigo. Quando a situação começou a mudar, Anita se desesperou. Pensou em jogar tudo para o alto, voltar à rua, fugir, mas não era justo com ela.
Eis as premissas do conflito, meu amigo: Anita tinha que reprimir um sentimento que nascia em seu coração, no entanto, não sabia como. Sua única saída, pensava, seria a fuga. Sumir pelo mundo, desaparecer.
Não teve forças. Sucumbiu à paixão. Amou. Redescobriu o prazer do sexo. Permitiu-se planejar o futuro, sonhar, viajar em devaneios idílicos.
Uma loucura isto sim, insensatez absoluta. Ela mesma fez essa avaliação em algumas ocasiões. A cegueira, porém, não permitiu a Anita fincar os pés no chão e tomar um banho de realidade. Desfrutou daquele sonho o quanto pôde. Até não dar mais. 

(último ato na próxima semana)

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