sábado, 26 de janeiro de 2013

Janeirão das águas

Pelo vidro do banheiro vejo, enquanto tomo banho, a chuvarada que encharca todas as ruas e casas e carros dos Campos Elísios, esse bairrinho simples de Taubaté. Na Oswaldo Cruz, molhada e branca, o desfile de carrões é a própria cara da decepção ‒‒ mais um fim de semana de chuva e frio nas praias de Ubachuva, perdão, Ubatuba.
Agorinha há pouco li, com enorme tristeza, a notícia de que o Paraitinga, nas últimas horas, já tinha subido quatro metros, invadindo as casas ribeirinhas, e causando estrago e destruição aos poucos pertences daquela gente sofrida que mora às suas margens.
Caso não saiba, meu amigo, em 2010 o Paraitinga transbordou, coisa de quinze metros, inundando praticamente todo o município. Destruiu casas e casarões, deixou restaurantes, lojinhas, bancos e miudezas debaixo d’água, pôs abaixo a própria casa do Altíssimo ‒‒ a igreja de São Luiz de Tolosa, uma construção do século 19, que não resistiu ao aguaceiro e desmoronou solenemente, torre por torre, parede por parede, até sobrar um monte de entulho.
Lembro-me da foto de um jornal que mostrava a cidade submersa. Pouca coisa sobrou, somente as casas do alto do morro. O centrinho simpático, a Praça Oswaldo Cruz de tantas marchinhas e carnavais, os restos da igreja, literalmente debaixo d’água.
Naqueles dias, a cúpula do Governo deixou os frios gabinetes para desembarcar na cidade sitiada, com ares sisudos de extrema preocupação, com promessas de recuperação geral, com liberação de verbas em caráter emergencial, com cadastramento de comerciantes, com facilidades, financiamento, liberação de créditos e coisa e tal, e com a promessa de solução para o problema do transbordamento do Paraitinga.
No entanto, diante das novas notícias, vejo que após três anos, se alguma coisa foi feita, de nada serviu.  Uma chuvinha mequetrefe na cabeceira do Jacuí, em Cunha, que deságua no Paraitinga, e o riozão, como um candidato a genro, bota de novo seus pés enlameados e suas pretensões espúrias na casa dos futuros sogros, sem ser convidado.
Penso na sofisticação de um garfo. Dentes arrojados, leve e delicado. Até então, as pessoas cortavam o alimento com a faca e comiam com as mãos. E o saca-rolha?  Desde sua criação, o espiral metálico evoluiu, e novas formas foram criadas com mecânica mais adequada à operação de retirar a velha rolha. Que delicadeza e precisão. E o anticoncepcional? Uma revolução social. O surgimento de uma nova classe de mulheres. Os óculos. A cama. O edredom. O copo. A escova de dente ‒‒ fantástica!  E o fio dental? A cadeira. O chuveiro. O sabonete. A chave. A taça de vinho. O espremedor de laranjas. O secador. O chinelo. A porta. A agulha. O travesseiro. O cortador de unhas. O pente. O sapato. O abridor de latas. O canudinho.
Há tempos que se discute no Brasil a instalação de um trem-bala ligando São Paulo ao Rio de Janeiro. Trem-bala... Olha só que coisa fabulosa. Os chineses, outro dia, inauguraram a linha de trem-bala mais longa do mundo, ligando Pequim a Guangzhou, num total de 2.298 quilômetros. Uma viagem que durava vinte horas vai durar oito, graças à velocidade que ele atinge, de 300 km/h. Há trens-balas que passam debaixo de montanhas e até de rios e mares: o Eurotúnel, por exemplo, que avança pelo Canal da Mancha, ligando a França à Inglaterra, uma das sete maravilhas do mundo moderno.
Mas as criações humanas não param por aí. Aliás, longe disso. E a sofisticação, a técnica, a precisão são de arregalar os olhos. No mundo eletrônico, por exemplo, temos uma profusão de invenções e novas tecnologias, tudo para encantar e satisfazer as necessidades mais exigentes da raça. Pipocam smartphones, celulares, tablets, notebooks, ultrabooks, HDs, GPS, DVDs, home theaters, computadores, máquinas fotográficas digitais, geringonças eletrônicas de tudo quanto é tamanho e gênero, de todas as cores e para todas as idades.
E pensar que no início dos tempos a tecnologia mais avançada usava a pedra como matéria-prima para a confecção de objetos, utensílios e ferramentas. O homem, para proteger-se do frio, socorria-se de peles de animais e escondia-se em cavernas. E para se alimentar, cozinhava a carne em buracos abertos no solo. Depois apareceram os metais, o conhecimento da escrita, outra invenção extraordinária da humanidade.
O que dizer então dos veículos de transporte, carroças, carros de boi, bicicletas, triciclos, quadriciclos, motocicletas, carros, caminhões, ônibus, trens, bondes, metrôs, lanchas, barcos, navios, submarinos, helicópteros, aviões, foguetes?
E das ciências, então?  A filosofia. A sociologia. A antropologia. A geologia. A paleontologia. As ciências políticas. A história. A linguística. A pedagogia. A economia. A administração. A contabilidade. A geografia. O direito. O serviço social. A arqueologia. A psicologia. As letras. As artes plásticas. A moda. O jornalismo. O secretariado.  A astronomia. A física. A química. A engenharia. A arquitetura. A matemática. A biologia. A anatomia. A genética. A fisiologia. A agronomia. A medicina. A nutrição. A educação física.
Enorme e vasto o conhecimento humano. Com tudo isso, com tamanha abrangência e diversidade de saber, com essa reserva de conhecimento acumulada em séculos e séculos de existência, eu me pergunto: será que é difícil encontrar uma soluçãozinha digna para os problemas das enchentes e deslizamento de encostas que assolam o país durante o janeirão das águas? Não há uma viva alma nesse mundo, que ocupe um cargo de gestão ‒‒ um prefeito, um governador, um presidente ‒‒, capaz de se sensibilizar e resolver os problemas de uma grande parcela do povão?
Janeiro pode ser o mês das chuvas, mas não precisa ser o mês das tragédias, dos deslizamentos, das famílias retiradas de suas casas e transferidas para escolas e igrejas, das vidas ceifadas.
Desligo o chuveiro sacudo, por saber que falta dinheiro para ações preventivas nos rios e encostas, mas dos cofres públicos jorram cascalhos para a Copa, que vai encher de alegria a moçada.

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